Catecismo da Igreja Católica

TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO

CAPÍTULO II - A COMUNIDADE HUMANA

1877     A [§1] vocação da humanidade consiste em manifestar a ima­gem de Deus e ser transformada à imagem do Filho único do Pai. Esta vocação implica uma dimensão pessoal, pois cada um é chamado a entrar na bem-aventurança divina, mas con­cerne também ao conjunto da comunidade humana.

ARTIGO I

A PESSOA E A SOCIEDADE

I. O caráter comunitário da vocação humana

1878     Todos [§2] os homens são chamados ao mesmo fim, o próprio Deus. Existe certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os homens devem estabelecer entre si, na verdade e no amor[a3] . O amor ao próximo é inse­parável do amor a Deus.

1879     A [§4] pessoa humana tem necessidade de vida social. Esta não constitui para ela algo acrescentado, mas é uma exigência de sua natureza. Mediante o intercâmbio com os outros, a reciprocidade dos serviços e o diálogo com seus irmãos, o homem desenvolve as próprias virtualidades; responde, assim, à sua vocação[a5] .

1880     Uma [§6] sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de maneira orgânica por um princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembléia ao mesmo tempo visível e espiritual, uma sociedade perdura no tempo; ela recolhe o passado e prepara o futuro. Por ela, cada homem é constituído "herdeiro", recebe "talentos" que enriquecem sua identidade e com os quais deve produzir frutos[a7] . Com justa razão, deve cada qual dedicar-se às comunidades de que faz parte e respeitar as autoridades encarregadas do bem comum.

1881     Cada [§8] comunidade se define por seu fim e obedece, por conseguinte, a regras específicas, mas "a pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais[a9] ".

1882     Certas [§10] sociedades, como a família e a cidade, correspondem mais imediatamente à natureza do homem. São-lhe necessárias. A fim de favorecer a participação do maior número na vida social, é preciso encorajar a criação de associações e instituições de livre escolha, "com fins econômicos, culturais, sociais, esportivos, recreativos, profissionais, políticos, tanto no âmbito interno das comunidades políticas como no plano mundial[a11] ". Esta “socialização" exprime, igualmente, a tendência natural que impele os seres humanos a se associarem para atingir objetivos que ultrapassam as capacidades individuais. Desenvolve as qualidades da pessoa, particularmente seu espírito de iniciativa e responsabilidade. Ajuda a garantir seus direitos[a12] .

1883     A [§13] socialização apresenta também perigos. Uma intervenção muito acentuada do Estado pode ameaçar a liberdade e iniciativa pessoais. A doutrina da Igreja elaborou o chamado princípio de subsidiariedade. Segundo este princípio, "uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade inferior, privando-a de suas competên­cias, mas deve, antes, apoiá-la em caso de necessidade e ajudá­-la a coordenar sua ação com as dos outros elementos que compõem a sociedade, tendo em vista o bem comum[a14] ".

1884     Deus [§15] não quis reter só para si o exercício de todos os poderes. Confia a cada criatura as funções que esta é capaz de exercer, segundo as capacidades da própria natureza. Este modo de governo deve ser imitado na vida social. O comportamento de Deus no governo do mundo, que demonstra tão grande consideração pela liberdade humana, deveria inspirar a sabe­doria dos que governam as comunidades humanas. Estes de­vem comportar-se como ministros da providência divina.

1885     O princípio de subsidiariedade opõe-se a todas as formas de coletivismo; traça os limites da intervenção do Estado; tem em vista harmonizar as relações entre os indivíduos e as sociedades; tende a instaurar uma verdadeira ordem interna­cional.

II. A conversão e a sociedade

1886     A [§16] sociedade é indispensável à realização da vocação hu­mana. Para alcançar este objetivo, é necessário que seja res­peitada a justa hierarquia dos valores que "subordina as neces­sidades materiais e instintivas às interiores e espirituais[a17] .

A convivência humana deve ser considerada como realidade emi­nentemente espiritual, intercomunicação de conhecimentos à luz da verdade, exercício de direitos e cumprimentos de deveres, incenti­vo e apelo aos bens morais, gozo comum do belo em todas as suas legítimas expressões, disponibilidade permanente para comunicar a outrem o melhor de si mesmo e aspiração comum a um constante enriquecimento espiritual. Tais são os valores que devem animar e orientar a atividade cultural, a vida econômica, a organização so­cial, os movimentos e os regimes políticos, a legislação e todas as outras expressões da vida social em contínua evolução[a18] .

1887     A [§19] inversão dos meios e dos fins[a20] , que acaba por conferir valor de fim último àquilo que não passa de meio para segui-lo, ou por considerar as pessoas como meros meios em vista de um fim, produz estruturas injustas, que "tornam árdua e praticamente impossível uma conduta cristã conforme mandamentos do Divino Legislador[a21] "

1888     E [§22] preciso, então, apelar às capacidades espirituais e morais da pessoa e à exigência permanente de sua conversão interior, a fim de obter mudanças sociais que estejam realmente a seu serviço. A prioridade reconhecida à conversão do coração não elimina absolutamente, antes impõe, a obrigação de trazer instituições e às condições de vida, quando estas provocam o pecado, o saneamento conveniente, para que sejam conformes às normas da justiça e favoreçam o bem, em vez de pôr-lhe obstáculos[a23] .

1889     Sem [§24] o auxílio da graça, os homens seriam incapazes de "discernir a senda freqüentemente estreita entre a covardia que cede ao mal e a violência que, na ilusão de o estar combatendo, ainda o agrava mais[a25] ". É o caminho da caridade, quer dizer, do amor a Deus e ao próximo. A caridade representa o maior mandamento social. Respeita o outro e seus direitos. Exige a prática da justiça, e só ela nos torna capazes de praticá-la. Inspira uma vida de autodoação: "Quem procurar ganhar sua vida vai perdê-la, e quem a perder vai conservá-la" (Lc 17,33).

RESUMINDO

1890     Existe certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os homens devem estabelecer entre si.

1891     Para desenvolver-se em conformidade com sua natureza, em a pessoa humana necessidade da vida social. Certas socieda­des, como a família e a cidade, correspondem mais imediata­mente à natureza do homem.

1892     "A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais[a26] ."

1893     É preciso fomentar uma ampla participação em associações e instituições de livre escolha.

1894     Segundo o princípio de subsidiariedade, nem o Estado nem qualquer outra sociedade mais ampla devem substituir a iniciativa e a responsabilidade das pessoas e dos órgãos intermediários.

1895     A sociedade deve favorecer o exercício das virtudes, não pôr-lhe obstáculos. Deve inspirá-la uma justa hierarquia de valores.

1896     Onde o pecado perverte o clima social, é preciso apelar à conversão dos corações e à graça de Deus. A caridade impele a justas refor­mas. Não existe solução da questão social fora do Evangelho[a27] .

ARTIGO 2

A PARTICIPAÇÃO NA VIDA SOCIAL

I. A autoridade

1897     "A [§28] sociedade humana não estará bem constituída nem será fecunda a não ser que lhe presida uma autoridade legíti­ma que salvaguarde as instituições e dedique o necessário trabalho e esforço ao bem comum[a29] ."

Chama-se "autoridade" a qualidade em virtude da qual pessoas ou instituições fazem leis e dão ordens a homens, e esperam obediência da parte deles.

1898     Toda comunidade humana tem necessidade de uma autorida­de que a dirija[a30] . Tal autoridade encontra seu fundamento na nature­za humana. É necessária à unidade da cidade. Seu papel consiste em assegurar enquanto possível o bem comum da sociedade.

1899     A [§31] autoridade exigida pela ordem moral emana de Deus: "Todo homem se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se revolta contra a autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si a condenação" (Rm l3,l-2[a32] ).

1900     O [§33] dever da obediência impõe a todos prestar à autoridade as honras a ela devidas e cercar de respeito e, conforme seu mérito de gratidão e benevolência as pessoas investidas de autoridade.

Deve-se ao papa S. Clemente de Roma a mais antiga oração Igreja pela autoridade política[a34] :

"Concedei-lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia, a estabilidade para que exerçam sem entraves a soberania que lhes concedestes. Sois vós, Mestre, rei celeste dos séculos, quem dá aos filhos dos homens glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirigi, Senhor, seu conselho segundo o que é bom, segundo o que é agradável a vossos olhos, a fim de que, exercendo com piedade, na paz e mansidão, o poder que lhes destes, Nos encontrem propício[a35] .

1901     Se[§36] , por um lado, a autoridade remete a uma ordem fixada por Deus, por outro, são entregues à livre vontade dos cidadãos a escolha do regime e a designação dos governantes[a37] .

1902     A [§38] diversidade dos regimes políticos é moralmente admissível, contanto que concorram para o bem legítimo da comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza é contrária à lei natural, à ordem pública e aos direitos fundamentais das pessoas não podem realizar o bem comum das nações às quais são impostos. A autoridade não adquire de si mesma sua legitimidade moral. Não deve comportar-se de maneira despótica, mas agir para o bem comum, como uma "força moral fundada na liberdade e no senso de responsabilidade[a39] ":

A legislação humana não goza do caráter de lei senão na medida em que se conforma à justa razão; de onde se vê que ela recebe seu vigor da lei eterna. Na medida em que ela se afastasse da razão seria necessário declará-la injusta, pois não realizaria a noção de lei; seria antes uma forma de violência[a40] .

1903     A [§41] autoridade só será exercida legitimamente se procurar o bem comum do grupo em questão e se, para atingi-lo empregar meios moralmente lícitos. Se acontecer de os dirigentes promulgarem leis injustas ou tomarem medidas contrárias à ordem moral, estas disposições não poderão obrigar as consciências. "Neste caso, a própria autoridade deixa de existir degenerando em abuso do poder[a42] ."

1904     "É preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o mantenham em seu justo limite. Este e o principio do 'estado de direito', no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens[a43] ."

II. O bem comum

1905     Em [§44] conformidade com a natureza social do homem, o bem de cada um está necessariamente relacionado com o bem co­mum. Este só pode ser definido em referência à pessoa humana:

Não vivais isolados, retirados em vós mesmos como se já estivésseis justificados, mas já estivésseis justificados, mas reuni-vos para procurar juntos o que é o interesse comum[a45] .

1906     Por bem comum é preciso entender "o conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa e desembaraçadamente a própria perfeição[a46] . O bem comum interessa à vida de todos. Exige a prudência da parte de cada um e mais ainda da parte dos que exercem a autoridade. Comporta ele três elementos essenciais.

1907     Supõe[§47] , em primeiro lugar, o respeito pela pessoa como tal. Em nome do bem comum, os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa huma­na. A Sociedade é obrigada a Permitir que cada um de seus membros realize sua vocação. Em particular, o bem comum consiste nas condições para exercer as liberdades naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação humana: "Tais são o direito de agir segundo a norma reta de sua consciência, o direito á proteção da vida particular e à justa liberdade, também em matéria religiosa[a48] ".

1908     Em [§49] segundo lugar, o bem comum exige o bem-estar social e o desenvolvimento do próprio grupo o desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. E claro, cabe à autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares. Mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação conveniente, direito de fundar um lar etc[a50] .

1909     Por [§51] fim, o bem comum envolve a paz, isto é, uma ordem justa duradoura e segura. Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e a de seus membros, fundamentando o direito à legítima defesa pessoal e coletiva.

1910     Se [§52] cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecer-se como tal, é na comunidade política que encontramos sua realização mais completa. Cabe ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil, dos cidadãos e dos organismos intermediários.

1911     As [§53] dependências humanas se intensificam. Estendem-se aos poucos à terra inteira. A unidade da família humana, reunindo seres que gozam de uma dignidade natural igual, implica um bem comum universal. Este exige uma organização da comunidade das nações capaz de "atender às várias necessidades dos homens, tanto no campo da vida social (alimentação, saúde, educação...) como em certas condições particulares que podem surgir cá ou lá, tais como a necessidade (...) de acudir aos sofrimentos dos refugiados (...),ou de ajudar os emigrantes e suas famílias[a54] ”.

1912     O[§55]  bem comum está sempre orientado ao progresso das pessoas: "A organização das coisas deve subordinar-se à ordem das pessoas e não ao contrário[a56] ”. Esta ordem tem por base a verdade, edifica-se na justiça, é vivificada pelo amor.

III. Responsabilidade e participação

1913     A participação é o envolvimento voluntário e generoso da pessoa nas relações sociais. É necessário que todos partici­pem cada um conforme o lugar que ocupa e o papel que desempenha, na promoção do bem comum. Este dever é ine­rente à dignidade da pessoa humana.

1914     A[§57]  participação se realiza, antes de tudo, assumindo os setores pelos quais se tem a responsabilidade pessoal: pelo cuidado na educação da prole, por um trabalho consciencioso, o homem participa no bem dos outros e da sociedade[a58] .

1915     Os[§59]  cidadãos devem, na medida do possível, tomar parte ativa na vida pública. As modalidades de tal participação podem variar de um pais para outro ou de uma cultura para outra. "Deve-se lou­var a maneira de proceder daquelas nações em que a maior parte dos cidadãos, com autêntica liberdade, participa da vida pública[a60] ."

1916     A[§61]  participação de todos na realização do bem comum im­plica, como todo dever ético, uma conversão sempre renovada dos parceiros sociais. A fraude e outros subterfúgios pelos quais alguns escapam às malhas da lei e às prescrições do dever social devem ser firmemente condenados, por serem incompa­tíveis com as exigências da justiça. É necessário ocupar-se do florescimento das instituições que possam melhorar as condi­ções da vida humana[a62] .

1917     Cabe[§63]  aos que exercem a função de autoridade fortalecer os va­lores que atraem a confiança dos membros do grupo e os incitam a se colocar a serviço dos semelhantes. A participação começa pela edu­cação e pela cultura. "Podemos pensar com razão em depositar o futuro da humanidade nas mãos daqueles que são capazes de trans­mitir às gerações do amanhã razões de viver e de esperar[a64] ."

RESUMINDO

1918     “Não há autoridade que não venha de Deus, e as existentes foram instituídas por Deus" (Rm 13,1).

1919     Toda comunidade humana tem necessidade de uma autoridade para se manter e desenvolver.

1920     "É evidente que a comunidade política e a autoridade pública se fundamentam na natureza humana, e por isso pertencem à ordem predeterminada por Deus[a65] ."

1921     A autoridade é exercida de maneira legítima se estiver ligada à busca do bem comum da sociedade. Para atingi-lo, deve utilizar meios moralmente aceitáveis.

1922     É legítima a diversidade dos regimes políticos, contanto que concorram para o bem da comunidade.

1923     A autoridade política deve desenvolver-se dentro dos limites da ordem moral e garantir as condições para o exercício da liberdade.

1924     O bem comum compreende "o conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa e desembaraçadamente a própria perfeição[a66] "

1925     O bem comum comporta três elementos essenciais: o respeito e a promoção dos direitos fundamentais da pessoa; a prosperidade ou o desenvolvimento dos bens espirituais e temporais da sociedade; a paz e a segurança do grupo e de seus membros.

1926     A dignidade da pessoa humana implica a procura do bem comum. Cada pessoa deve preocupar-se em suscitar e conservar as instituições que aprimoram as condições da vida humana.

1927     Cabe ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil. O bem comum de toda a família humana pede uma organização da sociedade internacional.

ARTIGO 3

A JUSTIÇA SOCIAL

1928     A[§67]  sociedade garante a justiça social quando realiza as condições que permitem às associações e a cada membro seu obter o que lhes é devido conforme sua natureza e sua voca­ção. A justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade.

I. O respeito à pessoa humana

1929     [§68]  se pode conseguir a justiça social no respeito à digni­dade transcendente do homem. A pessoa representa o fim último da sociedade, que por sua vez lhe está ordenada.

A defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana nos foram confiadas pelo Criador. Em todas as circunstâncias da história, os homens e as mulheres são rigorosamente responsá­veis e obrigados a esse dever[a69] .

1930     O [§70] respeito à pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhe impõem. São eles que fundam a legitimidade moral de toda autoridade; concul­cando-os ou recusando-se a reconhecê-los em sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria legitimidade moral[a71] . Sem esse respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou na violência para obter a obediência de seus súditos. Cabe à Igre­ja lembrar esses direitos aos homens de boa vontade e distin­gui-los das reivindicações abusivas ou falsas.

1931     O[§72]  respeito pela pessoa humana passa pelo respeito deste princípio: "Que cada um respeite o próximo, sem exceção, como 'outro eu', levando em consideração antes de tudo sua vida e os meios necessários para mantê-la dignamente[a73] ". Nenhuma lei seria capaz, por si só, de fazer desaparecer os temores, os precon­ceitos, as atitudes de orgulho e egoísmo que constituem obstácu­los para o estabelecimento de sociedades verdadeiramente frater­nas. Esses comportamentos só podem cessar com a caridade, que vê em cada homem um "próximo", um irmão.

1932     O[§74]  dever de tomar-se o próximo do outro e servi-lo ativamen­te se torna ainda mais urgente quando este se acha mais carente, em qualquer setor que seja. "Todas as vezes que fizestes a um destes meus irmãos menores, a mim o fizestes" (Mt 25,40).

1933     Este[§75]  mesmo dever se estende àqueles que pensam ou agem diferentemente de nós. A doutrina de Cristo vai até o ponto de exigir o perdão das ofensas. Estende o mandamento do amor, que é o da nova lei, a todos os inimigos[a76] . A libertação no espírito do Evangelho é incompatível com o ódio ao inimigo, como pessoas mas não com o ódio ao mal que este pratica, como inimigo.

II. Igualdade e diferenças entre os homens

1934     Criados[§77]  à imagem do Deus único, dotados de uma mesma alma racional, todos os homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de Cristo, todos são convidados a participar na mesma felicidade divina; todos gozam, portanto, de igual dignidade.

1935     A[§78]  igualdade entre os homens diz respeito essencialmente à sua dignidade pessoal e aos direitos que daí decorrem.

Qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa, seja (essa discriminação) social ou cultural, ou que se fundamente no sexo, na raça, na cor, na condição social, na língua ou na religião deve ser superada e eliminada, porque contrária ao plano de Deus[a79] .

1936     Quando[§80]  nasce, o homem não dispõe de tudo aquilo que é necessário ao desenvolvimento de sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Aparecem diferenças ligadas à idade, às capacidades físicas, às aptidões intelectuais ou morais, aos intercâmbios de que cada um pôde se beneficiar, à distribuição das riquezas[a81] . Os "talentos" não são distribuídos de maneira igual[a82] .

1937     Essas [§83] diferenças pertencem ao plano de Deus; Ele quer que cada um receba do outro aquilo que precisa e que os que dispõem de "talentos" específicos comuniquem seus benefícios aos que deles precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à magnanimidade, à benevolência e à par­tilha; (essas diferenças) motivam as culturas a se enriquecerem urnas às outras.

Eu não dou todas as virtudes na mesma medida a cada um (...) Existem virtudes que eu distribuo desta maneira, ora a um ora a outro. (...) A este a caridade; a outro a justiça; a este a humil­dade, àquele uma fé viva. (...) Distribuí muitas graças e virtu­des, espirituais e temporais, com tal diversidade que a ninguém por si só concedi todo o necessário, para serdes obrigados a usar de caridade uns para com os outros. (...) Quis que todos tivessem necessidade uns dos outros e fossem meus ministros na distribuição das graças e liberalidades que de mim receberam[a84] .

1938     Existem [§85] também desigualdades iníquas que atingem mi­lhões de homens e mulheres e se acham em contradição aberta com o Evangelho:

A igual dignidade das pessoas postula que se chegue a condi­ções de vida mais justas e mais humanas. Pois as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os membros e povos da única família humana provocam escândalo e são contrárias à justiça social, à eqüidade, à dignidade da pessoa humana e à paz social e internacional[a86] .

III. A solidariedade humana

1939     O [§87] princípio da solidariedade, enunciado ainda sob o nome de ou "caridade social'', é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã[a88] :

Um erro, "hoje amplamente difundido, é o esquecimento desta lei da solidariedade humana e da caridade, ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela igualdade da natureza racional em todos os homens, seja qual for o povo a que pertençam, como também pelo sacrifício redentor oferecido por Jesus Cristo no altar da cruz a seu Pai celeste, em prol da humanidade pecadora[a89] 

1940     A [§90] solidariedade se manifesta antes de mais nada na distribuição dos bens e na remuneração do trabalho. Supõe também o esforço em favor de uma ordem social mais justa, na qual as tensões possam ser mais bem resolvidas e os conflitos encontrem mais facilmente sua solução por consenso.

1941     Os [§91] problemas sócio econômicos só podem ser resolvidos com o auxílio de todas as formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos e dos pobres, dos trabalhadores entre si, dos empregadores e dos empregados na empresa, solidariedade entre as nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Em parte, é da solidariedade que depende a paz mundial.

1942     A [§92] virtude da solidariedade vai além dos bens materiais. Difundindo os bens espirituais da fé, a Igreja favoreceu também o desenvolvimento dos bens temporais, aos quais muitas vezes abriu novos caminhos. Assim foi-se verificando, ao longo dos séculos, a palavra do Senhor: "Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas" (Mt 6,33):

Há dois mil anos vive e persevera na alma da Igreja este sentimento que levou e ainda leva as almas ao heroísmo caritativo dos monges agricultores, dos libertadores de escravos, dos tratam dos enfermos, dos mensageiros de fé, de civilização, ciência a todas as gerações e a todos os povos, em vista de criar condições sociais capazes de possibilitar a todos uma vida digna do homem e do cristão[a93] .

RESUMINDO

1943     A sociedade garante a justiça social realizando as condições que permitam às associações e a cada um obter o que lhes é devido.

1944     O respeito pela pessoa humana considera o outro como um "outro eu mesmo". Supõe o respeito pelos direitos fundamentais que decorrem da dignidade intrínseca da pessoa.

1945     A igualdade entre os homens assenta sobre sua dignidade pessoal e sobre os direitos que daí decorrem.

1946     As diferenças entre as pessoas pertencem ao plano de Deus, o qual quer que todos nós tenhamos necessidade uns dos ou­tros. Essas diferenças devem estimular a caridade.

1947     A dignidade igual das pessoas humanas exige o esforço para reduzir as desigualdades sociais e econômicas excessivas e leva ao desaparecimento das desigualdades iníquas.

1948     A solidariedade é uma virtude eminentemente cristã que pratica a partilha dos bens espirituais mais ainda que dos materiais.

CAPÍTULO III.

A SALVAÇÃO DE DEUS: A LEI E A GRAÇA

1949     Chamado à felicidade, mas ferido pelo pecado, o homem tem necessidade da salvação de Deus. O socorro divino lhe é dado, em Cristo, pela lei que o dirige e na graça que o sustenta:

Trabalhai para vossa salvação com temor e tremor, pois é Deus quem, segundo a sua vontade, realiza em vós o querer e o fazer (Fl 2,12-13).

ARTIGO I

A LEI MORAL

1950     A [§94] lei moral é obra da Sabedoria divina. Pode-se definir a lei moral, no sentido bíblico, como uma instrução paterna, uma pedagogia divina. Ela prescreve ao homem os caminhos, as regras de comportamento que levam à felicidade prometida; proscreve os caminhos do mal, que desviam de Deus e de seu amor. E ao mesmo tempo firme em seus preceitos e amorosa em suas promessas.

1951     A [§95] lei é uma regra de comportamento promulgada pela autoridade competente em vista do bem comum. A lei moral supõe a ordem racional estabelecida entre as criaturas, para seu bem e em vista de seu fim, pelo poder, pela sabedoria e pela bondade do Criador. Toda lei encontra na lei eterna sua verdade primeira e última. A lei é revelada e estabelecida pela razão como una participação na providência do Deus vivo, Criador e Redentor de todos. "A esta ordenação da razão dá-se o nome de lei[a96] ":

Apenas o homem, entre todos os seres vivos, pode gloriar-se de ter sido digno de receber de Deus uma lei. Animal dotado de razão, capaz de entendimento e discernimento, regulará sua conduta dispondo de liberdade e de razão, na submissão àquele que tudo lhe confiou[a97] .

1952     As expressões da lei moral variam muito, e todas se acham coordenadas entre si: a lei eterna, fonte, em Deus, de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a Lei Antiga e a Nova Lei (ou Lei evangélica); enfim, as leis civis e eclesiásticas.

1953     A [§98] lei moral encontra em Cristo sua plenitude e sua unidade. Jesus Cristo em pessoa é o caminho da perfeição. Ele é o fim da lei, pois só ele ensina e dá a justiça de Deus. "Porque a finalidade da lei é Cristo, para a justificação de todo o que crê" (Rm 10,4).

I. A lei moral natural

1954     O [§99] homem participa da sabedoria e da bondade do Cria­dor, que lhe confere o domínio de seus atos e a capacidade de se governar em vista da verdade e do bem. A lei natural ex­prime o sentido moral original, que permite ao homem discer­nir, pela razão, o que é o bem e o mal, a verdade e a mentira.

A lei natural se acha escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos homens, porque ela é a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar. (...) Mas esta prescrição da razão não poderia ter força de lei se não fosse a voz e o intérprete de uma razão mais alta, à qual nosso espirito e nossa liberdade devem submeter-se[a100] .

1955     A [§101] lei "divina e natural[a102] " mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e atingir seu fim. A lei natural enuncia os preceitos primeiros e essenciais que regem a vida moral. Tem como esteio a aspiração e a submissão a Deus, fonte e juiz de todo bem, assim como sentir o outro como igual a si mesmo. Está exposta, em seus principais preceitos, no Decálogo. Essa lei é denominada natural não em referência à natureza dos seres irracionais, mas porque a razão que a promulga pertence, como algo próprio, à natureza humana[a103] :

Onde é, então, que se acham inscritas estas regras, senão no livro desta luz que se chama a verdade? Aí está escrita toda a lei justa, dali ela passa para o coração do homem que cumpre a justiça, não que emigre para ele, mas sim deixando ai a sua marca, à maneira de um sinete que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o anel.

A lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus. Por ela, conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, deu-a Deus a criação[a104] .

1956     Presente [§105] no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é universal em seus preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a base de seus direitos e de seus deveres fundamentais:

Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme à natureza, difundida em todos os homens, ela é imutável e eterna; suas ordens chamam ao dever; suas proibições afastam do pecado. (...) E um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária; é proibido não aplicar uma de suas disposições; quanto a ab-rogá4a inteira­mente, ninguém tem a possibilidade de fazê-lo[a106] .

1957     A aplicação da lei natural varia muito. Pode exigir uma reflexão adaptada à multiplicidade das condições de vida, con­forme os lugares, as épocas e as circunstâncias. Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece como uma regra que liga entre si os homens e lhes impõe, para além das inevitáveis diferenças, princípios comuns.

1958     A [§107] lei natural é imutável [a108] e permanente através das varias ações da história; ela subsiste sob o fluxo das idéias e dos costumes e constitui a base para seu progresso. As regras que a exprimem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que alguém negue até os seus princípios, não é possível destruí-la nem arrancá-la do coração do homem. Sempre torna a ressurgir na vida dos indivíduos e das sociedades:

O roubo é certamente punido por vossa lei, Senhor, e pela lei escrita no coração do homem, (lei) que nem mesmo a iniqüidade consegue apagar[a109] .

1959     Obra [§110] excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos sobre os quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens. Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexão que tira as conclusões de seus princípios, seja por adições de natureza positiva e jurídica.

1960     Os [§111] preceitos da lei natural não são percebidos por todos de maneira clara e imediata. Na atual situação, a graça e a revelação nos são necessárias, como pecadores que somos, para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas "por todos e sem dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro[a112] ". A lei natural propicia à lei revelada e à graça um fundamento pre­parado por Deus e em concordância com a obra do Espírito.

II. A Lei Antiga

1961     Deus[§113] , nosso criador e nosso redentor, escolheu para si Israel como seu povo e lhe revelou sua Lei, preparando, assim, a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime diversas verdades naturalmente acessíveis à razão. Estas se acham declaradas e autenticadas no interior da aliança da salvação.

1962     A [§114] Lei Antiga é o primeiro estágio da Lei revelação. Suas pres­crições morais estão resumidas nos Dez Mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam as bases da vocação do homem, feito à ima­gem de Deus; proíbem aquilo que é contrário ao amor de Deus e do próximo e prescrevem o que lhe é essencial. O Decálogo é uma luz oferecida à consciência de todo homem, para lhe manifestar o cha­mamento e os caminhos de Deus e protegê-lo do mal:

Deus escreveu nas tábuas da lei aquilo que os homens não conseguiam ler em seus corações[a115] .

1963     Segundo [§116]  tradição cristã, a lei santa[a117] , espiritual [a118] e boa [a119] ainda é imperfeita. Como um pedagogo[a120] , ela mostra o que se deve fazer, mas não dá por si mesma a força, a graça do Espírito para cumpri-la. Por causa do pecado que não pode tirar, é ainda uma lei de servidão. Conforme S. Paulo, ela tem principalmente como função denunciar e manifestar o pecado que forma uma "lei de concupiscência[a121] ” no coração do homem. No entanto, a lei permanece como a primeira etapa no caminho do Reino. Pre­para e dispõe o povo eleito e cada cristão à conversão e à fé no Deus salvador. Oferece um ensinamento que subsiste para todo o sempre, como a Palavra de Deus.

1964     A [§122] Lei Antiga é uma preparação para o Evangelho. "A lei é profecia e pedagogia das realidades futuras[a123] .” Profetiza e pres­sagia a obra da libertação do pecado, que se realizará com Cristo, e fornece ao Novo Testamento as imagens, os "tipos", os símbolos, para exprimir a vida segundo o Espírito. A Lei se completa, enfim, pelo ensinamento dos livros sapienciais e dos profetas que a Orientam para a nova aliança e o Reino dos Céus.

Houve (...), sob o regime da Antiga Aliança, pessoas que pos­suíam a caridade e a graça do Espírito Santo e aspiravam sobretudo às promessas espirituais e eternas, e deste modo se ligavam à nova lei. Inversamente, existem também sob a nova aliança homens carnais, ainda longe da perfeição da nova Lei. Para os estimular às obras virtuosas, foram necessários o temor do castigo e diversas promessas temporais, até sob a Nova Aliança. Em todo caso, mesmo que a Lei Antiga prescrevesse a caridade, ela não dava o Espírito Santo pelo qual "o amor de Deus derramado em nossos corações" (Rm 5,5[a124] ).

III. A Nova Lei ou Lei evangélica

1965     A [§125] Nova Lei ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da lei divina, natural e revelada. Ela é a obra do Cristo e se exprime particularmente no Sermão da Montanha. E também obra do Espírito Santo e, por ele, vem a ser a lei interior da caridade: "Concluirei com a casa de Israel uma nova aliança. (...) Colocarei minhas leis em sua mente e as inscreverei em seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Hb 8,8.10[a126] ).

1966     A [§127] Nova Lei é a graça do Espirito Santo dada aos fiéis pela fé em Cristo. É operante pela caridade, serve-se do Sermão do Senhor para nos ensinar o que é preciso fazer e dos sacramentos para nos comunicar a graça de fazê-lo.

Aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o Sermão que Nosso Senhor pronunciou no monte, tal como o lemos no Evangelho de São Mateus, aí encontrará, sem sombra de dúvida, a carta magna da vida cristã. (...) Este Sermão contém todos os preceitos apropriados para guiar a vida cristã[a128] .

1967     A [§129] Lei evangélica "dá pleno cumprimento" à Lei Antiga[a130] , afina-a, ultrapassa-a e aperfeiçoa-a. Nas "bem-aventuranças”, ela realiza plenamente as promessas divinas, elevando-as e ordenando-as ao "Reino dos Céus". Dirige-se àqueles que se mostram dispostos a acolher com fé esta esperança nova - os pobres, os humildes, os aflitos, os de coração puro, os perseguidos por causa de Cristo -, traçando assim os surpreendentes caminhos do Reino.

1968     A [§131] Lei evangélica dá pleno cumprimento aos mandamentos da Lei. O Sermão do Senhor, longe de abolir ou desvalorizar as prescrições morais da Lei Antiga, dela haure as virtualidades ocultas, faz surgir novas exigências e revela sua verdade divina e humana. Não lhe acrescenta novos preceitos exteriores, mas vai até o ponto de reformar a raiz dos atos, o coração, onde o homem faz a opção entre o puro e o impuro[a132] , onde se formam a fé, a esperança e a caridade e, com elas, as outras virtudes. O Evangelho, deste modo, leva a lei à plenitude, imitando a perfeição do Pai celeste[a133] , pelo perdão dos inimigos e pela oração pelos per­seguidores, seguindo o modelo da divina generosidade[a134] .

1969     A [§135] Nova Lei pratica os atos da religião - a esmola, a oração e o jejum -, ordenando-os ao "Pai que vê no segredo", em contraste com o desejo "de ser visto pelos homens[a136] ". Sua oração é o “Pai[a137] -Nosso.”

1970     A [§138] Lei evangélica comporta a opção decisiva entre "os dois caminhos[a139] " e a prática das palavras do Senhor[a140] ; resume-se na regra de ouro: "Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a lei e os profetas" (Mt 7,12[a141] ).

Toda a Lei evangélica se compendia no "mandamento novo" de Jesus[a142] , de nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou[a143] .

1971     Ao [§144] sermão do Senhor convém acrescentar a catequese moral dos ensinamentos apostólicos, como Rm 12-15; 1 Cor 12-13; Cl 3-4; Ef 4-6 etc. Esta doutrina transmite o ensinamento do Senhor com a autoridade dos Apóstolos, particularmente pela exposição das virtudes que decorrem da fé em Cristo e são ani­madas pela caridade, o principal dom do Espírito Santo. "Que vosso amor seja sem hipocrisia (...) com amor fraterno, tendo carinho uns para com os outros (...) alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação, assíduos na oração, tomando parte nas necessidades dos santos, buscando proporcionar a hospitalidade" (Rm 12,9-13). Esta catequese também nos ensina a tratar os casos de consciência à luz de nossa relação com Cristo e a Igreja[a145] .

1972     A Nova [§146] Lei é também denominada lei de amor, porque ela leva a agir pelo amor infundido pelo Espírito Santo e não pelo temor; uma lei de graça, por conferir a força da graça para agir por meio da fé e dos sacramentos; uma lei de liberdade[a147] , pois nos liberta das observância rituais e jurídicas da Antiga Lei, nos inclina a agir espontaneamente sob o impulso da caridade, enfim, nos faz passar do estado de servo, não sabe o que seu senhor faz”, para o de amigo de Cristo, “porque tudo o que eu ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer (Jo 15,15), ou ainda para o de filho-herdeiro[a148] .

1973     Além [§149] de seus preceitos, a Nova Lei comporta também os conselhos evangélicos. A distinção tradicional entre os mandamentos de Deus e os conselhos evangélicos se estabelece em relação à caridade, perfeição da vida cristã. Os preceitos se destinam a afastar tudo o que é incompatível com a caridade. Os conselhos têm como meta afastar o que, mesmo sem lhe ser contrário, pode constituir um obstáculo para o desenvolvimento da caridade[a150] .

1974     Os [§151] conselhos evangélicos manifestam a plenitude viva da caridade que jamais se mostra satisfeita, por não poder dar mais. Atestam seu dinamismo e solicitam nossa prontidão espiritual. A perfeição da Nova Lei consiste essencialmente preceitos do amor a Deus e ao próximo. Os conselhos indicam caminhos mais diretos, meios mais fáceis, e devem ser praticados conforme a vocação de cada um:

(Deus) não quer que cada pessoa observe todos os conselhos mas apenas aqueles que são convenientes, conforme a diversidade das pessoas, dos tempos, das ocasiões e das forças, com o exige a caridade; pois ela, como a rainha de todas as virtudes, de todos os mandamentos, de todos os conselhos, em suma, de todas as leis e de todas as ações cristãs, a todos e todas dá seu grau, sua ordem, o tempo e o valor[a152] .

RESUMINDO

1975     Segundo a Escritura, a lei é uma instrução paterna de Deus que prescreve ao homem os caminhos que levam à felicidade prometida e proscreve os caminhos do mal.

1976     "A lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promul­gada por aquele a quem cabe o governo da comunidade[a153] ."

1977     Cristo é a finalidade da 1ei[a154] . Somente Ele ensina e concede a justiça de Deus.

1978     A lei natural é uma participação na sabedoria e na bondade de Deus, pelo homem formado à imagem de seu criador. A lei natural exprime a dignidade da pessoa humana e constitui a base de seus direitos e deveres fundamentais.

1979     A lei natural é imutável, permanente através da história. As regras que a exprimem são substancialmente sempre válidas. Ela é uma base necessária para a edificação das regras morais e para a lei civil.

1980     A Antiga Lei é o primeiro estágio da Lei revelada. Suas pres­crições morais se acham resumidas nos Dez Mandamentos.

1981     A Lei de Moisés contém diversas verdades naturalmente aces­síveis à razão. Deus as revelou porque os homens não as conseguiam ler em seu coração.

1982     A Antiga Lei é uma preparação para o Evangelho.

1983     A Nova Lei é a graça do Espírito Santo, recebida pela fé em Cristo, operando pela caridade. Exprime-se particularmente no Sermão do Senhor na montanha e usa os sacramentos para comunicar-nos a graça.

1984     A Lei evangélica leva a pleno cumprimento, ultrapassa e conduz à perfeição a Antiga Lei: suas promessas, por meio das bem­-aventuranças do Reino dos Céus; seus mandamentos, por meio da transformação da fonte de suas ações, ou seja, o coração.

1985     A Nova Lei é uma lei de amor, uma lei de graça, uma lei de liberdade.

1986     Além de seus preceitos, a Nova Lei comporta os conselhos evangélicos. "De modo especial favorecem igualmente a santidade da Igreja os múltiplos conselhos que no Evangelho Senhor propõe à observância de seus discípulos[a155] .”

 

 

Anterior =>  § 1776 a § 1876

Folha de Apresentação

Posterior =>  § 1987 a § 2051

 

 
FastCounter by bCentral

Qualquer falha constatada avise-nos

Rev.2 de  dez/2003


 [§1]355

 [§2]1702

 [a3]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 24,3: AAS 58 (1966) 1045

 [§4]1936

 [a5]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 25,1: AAS 58 (1966) 1045

 [§6]771

 [a7]Cf Lc 19,13.15

 [§8]1929

 [a9]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 25,1: AAS 58 (1966) 1045

 [§10] 1913

 [a11]João XXIII, Carta encíclica Mater et magistra, 60: AAS 53 (1961) 416

 [a12]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 25: AAS 58 (1966) 1045-1046; João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 16: AAS 83 (1991) 813

 [§13]2431

 [a14]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 48: AAS 83 (1991) 854; cf. Pio XI, Carta encíclica Quadragesimo anno: AAS 23 (1931) 184-186

 [§15]307,302

 [§16]1779,2500

 [a17]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 36: AAS 83 (1991) 838.

 [a18] João XXIII, Carta encíclica Pacem in terris, 36: AAS 55 (1963) 266

 [§19]909,1869

 [a20]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 41: AAS 83 (1991) 844.

 [a21]Pio XII, Mensagem radiofônica (1º de junho de1941): AAS 33 (1941) 197

 [§22]407,1430

 [a23]Cf Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 36: AAS 57 (1965) 42

 [§24] 1825

 [a25]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 25: AAS 83 (1991) 823

 [a26]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 25,1: AAS 58 (1966) 1045

 [a27]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 5: AAS 83 (1991) 800

 [§28]2234

 [a29] João XXIII, Carta encíclica Pacem in terris, 46: AAS 55 (1963) 269

 [a30]Cf Leão XIII, Carta encíclica Diuturnum illud: Leão XIII Acta 2, 271; Id., Carta encíclica Immortale Dei: Leão XIII Acta 5, 120

 [§31]2235

 [a32]Cf 1 Pd 2,13-17

 [§33]2298,2240

 [a34]Cf 1 Tm 2,1-2

 [a35]São Clemente Romano, Epistula ad Corinthios, 61, 1-2: SC 167, 198-200 (Funk 1, 178-180).

 [§36]2242

 [a37]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 74,3: AAS 58 (1966) 1096

 [§38]1930,1951

 [a39]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 74,2: AAS 58 (1966) 1096

 [a40]São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-II, q. 93, a. 3, ad 2: Ed. Leon. 7, 164

 [§41]2242

 [a42]João XXIII, Carta encíclica Pacem in terris, 51: AAS 55 (1963) 271

 [a43]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 44: AAS 83 (1991) 848

 [§44]801,1881

 [a45]Carta do Pseudo Barnabé, 4. 10: SC 172, 100-102 (Funk 1, 48).

 [a46]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 26,1: AAS 58 (1966) 1046; cf. Idem, 74,1: AAS 58 (1966) 1096

 [§47] 1929,2106

 [a48]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 26,2: AAS 58 (1966) 1046

 [§49]2441

 [a50]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 26,2: AAS 58 (1966) 1046

 [§51] 2304,2310

 [§52] 2244

 [§53] 2438

 [a54]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 84,2: AAS 58 (1966) 1107

 [§55]1881

 [a56]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 26,3: AAS 58 (1966) 1047

 [§57]1734

 [a58]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 43: AAS 83 (1991) 847

 [§59]2239

 [a60]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 31,3: AAS 58 (1966) 1050

 [§61]1888,2409

 [a62]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 30,1: AAS 58 (1966) 1049

 [§63]1818

 [a64]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 31,3: AAS 58 (1966) 1050

 [a65]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 74,3: AAS 58 (1966) 1096

 [a66]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 26,1: AAS 58 (1966) 1046

 [§67]2832

 [§68] 1881

 [a69]João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 47: AAS 80 (1988) 581

 [§70]1700,1902

 [a71]Cf João XXIII, Carta encíclica Pacem in terris, 61: AAS 55 (1963) 274

 [§72]2212,1825

 [a73]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 27,1: AAS 58 (1966) 1047

 [§74]2449

 [§75]2303

 [a76]Cf Mt 5,43-44

 [§77]225

 [§78]357

 [a79]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 29,2: AAS 58 (1966) 1048-1049

 [§80]1879

 [a81]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 29,2: AAS 58 (1966) 1048

 [a82]Cf Mt 25,14-30; Lc 19,11-27

 [§83]340,791,1202

 [a84] Santa Catarina de Sena, o dialogo da Divina providencia, 7: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 23-24.

 [§85] 2437,2317

 [a86] Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 29,3: AAS 58 (1966) 1049.

 [§87]2213,360

 [a88]Cf João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 38-40: AAS 80 (1988) 564-569; Id., Carta encíclica Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 805-806.

 [a89]Pio XII, Carta encíclica Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 426

 [§90]2402

 [§91] 2317

 [§92]1887,2632

 [a93]Pio XII, Mensagem radiofônica (1o de junho de 1941): AAS 33 (1941) 204

 [§94]53,1719

 [§95]295,306,301

 [a96]Leão XIII, Carta encíclica Libertas praestantissimum: Leão XIII Acta 8, 218; cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-II, q. 90, a. 1: Ed. Leon. 7, 149-150

 [a97]Tertuliano, Adversus Marcionem, 2, 4, 5: CCL 1, 479 (PL 2, 315).

 [§98]578

 [§99] 309,1776

 [a100]Leão XIII, Carta encíclica Libertas praestantissimum: Leão XIII Acta 8, 219

 [§101]1787,396,2070

 [a102]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 89,1: AAS 58 (1966) 1111-1112

 [a103]Santo Agostinho, De Trinitate, 14, 15, 21: CCL 50A, 451 (PL 42, 1052).

 [a104]São Tomás de Aquino, In duo praecepta caritatis et in decem Legis praecepta expositio, c. 1: Opera omnia, v. 27 (Paris 1875) p. 144

 [§105]2261

 [a106]Marco Tullio Cicero, De Rs publica, 3, 22, 33: Scripta quae manserunt omnia, Bibliotheca Teubneriana fasc. 39, ed. K. Ziegler, (Leipzig 1969) p. 96

 [§107]2072

 [a108]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 10: AAS 58 (1966) 1033

 [a109]Santo Agostinho, Confessiones, 2, 4, 9: CCL 27, 21 (PL 32, 678).

 [§110]1879

 [§111]2071,37

 [a112]Concílio Vaticano I, Constituição dogmática Dei Filius, c. 2: DS 3005; Pio XII, Carta encíclica Humani generis: DS 3876.

 [§113]62

 [§114]2058

 [a115]Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum 57, 1: CCL 39, 708 (PL 36, 673).

 [§116]1610,2542,2515

 [a117]Cf Rm 7,12

 [a118]Cf Rm 7,14.

 [a119]Cf Rm 7,16

 [a120]Cf Gl 3,24

 [a121]Cf Rm 7,20

 [§122]122,1828

 [a123]Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses, 4, 15, 1: SC 100, 548 (PG 7, 1012).

 [a124]São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-II, q. 107, a. 1, ad 2: Ed. Leon. 7, 279

 [§125]459,581,715

 [a126]Cf Jr 31,31-34.

 [§127]1999

 [a128]Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 1, 1, 1: CCL 35, 1-2 (PL 34, 1229-1231).

 [§129]577

 [a130]Cf Mt 5,17-19

 [§131]129,582

 [a132]Cf Mt 15,18-19

 [a133]Cf Mt 5,48.

 [a134]Cf Mt 5,44.

 [§135]1434

 [a136]Cf Mt 6,1-6.16-18

 [a137]Cf Mt 6,9-13

 [§138]1696,1789,1823

 [a139]Cf Mt 7,13-14.

 [a140]Cf Mt 7,21-27.

 [a141]Cf Lc 6,31

 [a142]Cf Jo 13,34

 [a143]Cf Jo 15,12

 [§144]1789

 [a145]Cf Rm 14; 1 Cor 5-10

 [§146]782,1828

 [a147]Cf Tg 1,25; 2,12

 [a148]Cf Gl 4,1-7.21-31; Rm 8,15-17

 [§149]2053,915

 [a150]Cf São Tomás de Aquino, Summa theologiae, II-II, q. 184, a. 3: Ed. Leon. 10, 453-454

 [§151]2013

 [a152]São Francisco de Sales, Traité de l'amour de Dieu, 8, 6: Oeuvres, v. 5 (Annecy 1894) p. 75

 [a153]São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-II, q. 90, a. 4, c: Ed. Leon. 7, 152

 [a154]Cf Rm 10,4

 [a155] Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 42: AAS 57 (1965) 48.