Catecismo da Igreja Católica

TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO

ARTIGO 7

O SÉTIMO MANDAMENTO

Não roubarás (Ex 20,15; Cf Dt 5,19).

Não roubarás (Mt 19,18).

2401     O [§1] sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou lesá-lo, de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem co­mum, o respeito à destinação universal dos bens e ao direito de propriedade privada. A vida cristã procura ordenar para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo.

I. A destinação universal e a propriedade privada dos bens

2402     No [§2] começo, Deus confiou a terra e seus recursos à admi­nistração comum da humanidade, para que cuidasse dela, a dominasse por seu trabalho e dela desfrutasse[a3] . Os bens da criação são destinados a todo o gênero humano. A terra está, contudo, repartida entre os homens para garantir a segurança de sua vida, exposta à penúria e ameaçada pela violência. A apropriação dos bens é legítima para garantir a liberdade e a dignidade das pessoas, para ajudar cada um a prover suas ne­cessidades fundamentais e as daqueles de quem está encarre­gado. Deve também permitir que se manifeste uma solidarie­dade natural entre os homens.

2403     O direito à propriedade privada, adquirida ou recebida de modo justo, não abole a doação original da terra ao conjunto da humanidade. A destinação universal dos bens continua primor­dial, mesmo se a promoção do bem comum exige o respeito pela propriedade privada, pelo respectivo direito e exercício.

2404     "[§4] Usando aqueles bens, o homem que possui legitimamente as coisas materiais não as deve ter só como próprias dele, mas também como comuns, no sentido de que elas possam ser úteis não somente a ele, mas também aos outros[a5] ." A propriedade de um bem faz de seu detentor um administrador da Providência, para fazê-los frutificar e para repartir os benefícios dessa admi­nistração a outros, a seus parentes, em primeiro lugar.

2405     Os bens de produção materiais ou imateriais -, como terras ou fábricas, competências ou profissões, requerem os cuidados de quem os Possui para que sua fecundidade aproveite ao maior número possível. Os detentores dos bens de uso e de consumo devem usá-los com mo­deração, reservando a melhor parte ao hóspede, ao doente e ao pobre.

2406     A [§6] autoridade política tem o direito e o dever de regulamentar, em função do bem comum, o exercício legítimo do direito de propriedade[a7] .

II. O respeito às pessoas e aos seus bens

2407     Em [§8] matéria econômica, o respeito à dignidade humana exige a prática da virtude da temperança, para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da justiça, para preservar o direitos do próximo e lhe dar o que lhe é devido; e da solidariedade, segundo a regra áurea e segundo a liberalidade do Senhor, que "se fez pobre, embora fosse rico, para nos enriquecer com sua pobreza[a9] ".

O RESPEITO AOS BENS DO OUTRO

2408     O sétimo mandamento proíbe o roubo, isto é, a usurpação do bem de outro contra a vontade razoável do proprietário. Não há roubo se o consentimento pode ser presumido ou se recusa é contrária à razão e à destinação universal dos bem. É o caso da necessidade urgente e evidente. em que o único meio de acudir às necessidades imediatas e essenciais (ali mento, abrigo, roupa...) é dispor e usar dos bens do outro[a10] .

2409     Toda [§11] maneira de tomar e de reter injustamente o bem do outro, mesmo que não contrarie as disposições da lei civil, é contrária ao sétimo mandamento. Assim, também, reter deliberadamente os bens emprestados ou objetos perdidos, defraudar no comércio[a12] , pagar salários injustos[a13] , elevar os preços especulando sobre a ignorância ou a miséria alheia[a14] .

São ainda moralmente ilícitos a especulação, pela qual se faz variar artificialmente a avaliação dos bens, visando levar vantagem em detrimento do outro; a corrupção, pela qual se "compra" o jul­gamento daqueles que devem tomar decisões de acordo com o direito; a apropriação e uso privados dos bens sociais de uma empresa; os trabalhos malfeitos; a fraude fiscal; a falsificação de cheques e de faturas; os gastos excessivos; o desperdício. Infligir voluntariamente um prejuízo aos proprietários privados ou públicos é contrário à lei moral e exige reparação.

2410     As [§15] promessas devem ser mantidas, e os contratos, rigo­rosamente observados, na medida em que o compromisso assumido for moralmente justo. Uma parte notável da vida eco­nômica e social depende do valor dos contratos entre pessoas físicas ou morais. E o caso dos contratos comerciais de venda ou compra, os contratos de locação ou de trabalho. Todo contrato deve ser feito e executado de boa-fé.

2411     Os [§16] contratos estão sujeitos à justiça comutativa, que regula as trocas entre as pessoas e entre as instituições no pleno respeito aos seus direitos. A justiça comutativa obriga estritamente; exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o pagamento das dívidas e o cumprimento das obrigações livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma outra forma de justiça é possível.

Distingue-se a justiça comutativa da justiça legal, que se refere àquilo que o cidadão deve eqüitativamente à comunidade, e da jus­tiça distributiva, que regula o que a comunidade deve aos cidadãos proporcionalmente às suas contribuições e às suas necessidades.

2412     Em [§17] virtude da justiça comutativa, a reparação da injustiça cometida exige a restituição do bem furtado a seu proprietário:

Jesus abençoa Zaqueu por causa de seu compromisso: "Se defrau­dei a alguém, restituo-lhe o quádruplo" (Lc 19,8). Aqueles que, de maneira direta ou indireta, se apossaram de um bem alheio têm obriga­ção de o restituir ou de devolver o equivalente em natureza ou em espécie, se a coisa desapareceu, bem como os frutos e lucros que seu proprietário legitimamente teria auferido. São igualmente obrigados a restituir, proporcionalmente à sua responsabilidade e ao benefício auferido, todos os que participaram de alguma maneira do roubo, ou tiraram proveito dele com conhecimento de causa, como, por exemplo, Os mandantes, os que ajudaram ou encobriram o roubo.

2413     Os jogos de azar (jogos de cartas etc.) ou as apostas em si não são contrários à justiça. Tomam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é necessário para suprir suas necessidades e as dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se transformar em uma dependência grave. Apostar injustamente ou trapacear nos jogos consti­tui matéria grave, a menos que o dano infligido seja tão pequeno aquele que o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo.

2414     O [§18] sétimo mandamento proíbe os atos ou empreendimentos que, por qualquer razão que seja, egoísta ou ideológica, mercantil ou totalitária, levam a escravizar seres humanos, a desconhecer sua dignidade pessoal, a comprá-los, a vendê-los e a trocá-los como mercadorias. É um pecado contra a dignidade das pessoas e contra seus direitos fundamentais reduzi-las, pela violência, a um valor de uso ou a uma fonte lucro. S. Paulo ordenava a um patrão cristão que tratasse seu escravo cristão "não mais corno escravo, mas como um irmão..., como um homem, no Senhor" (Fm 16).

O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO

2415     O [§19] sétimo mandamento manda respeitar a integridade da criação. Os animais, como as plantas e os seres inanimados, estão naturalmente destinados ao bem comum da humanidade passada, presente e futura[a20] . O uso dos recursos minerais. vegetais e animais do universo não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. O domínio dado pelo Criador ao homem sobre os seres inanimados e os seres vivos não é absoluto; é medido por meio da preocupação pela qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras; exige um respeito religioso pela integridade da criação[a21] .

2416     Os [§22] animais são criaturas de Deus, que os envolve com sua solicitude providencial[a23] . Por sua simples existência, eles o bendizem e lhe dão glória[a24] . Também os homens lhes devem carinho. Lembremos com que delicadeza os santos, como S. Francisco de Assis ou S. Filipe de Neri, tratavam os animais.

2417     Deus [§25] confiou os animais à administração daquele que criou à sua imagem[a26] . E, portanto, legitimo servir-se dos animais para a alimentação e a confecção das vestes. Podem ser domesticados, para ajudar o homem em seus trabalhos e lazeres. Os experimen­tos médicos e científicos em animais são práticas moralmente admissíveis, se permanecerem dentro dos limites razoáveis e contribuírem para curar ou salvar vidas humanas.

2418     É [§27] contrário à dignidade humana, fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar suas vidas. E igualmente indigno gastar com eles o que deveria prioritariamente aliviar a miséria dos homens. Pode-se amar os animais, porém não se deve orientar para eles o afeto devido exclusivamente às pessoas.

III. A doutrina social da Igreja

2419     "A revelação [§28] cristã leva a uma compreensão mais profun­da das leis da vida social[a29] ." A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade do homem. Quando ela cumpre sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina.

2420     A [§30] Igreja emite um juízo moral, em matéria econômica e social, "quando o exigem os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas[a31] ". Na ordem da moralidade, tem uma missão distinta da missão das autoridades políticas. A Igreja se preocupa com aspectos temporais do bem comum em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura inspirar as atitudes justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas.

2421     A doutrina social da Igreja se desenvolveu no século XIX, por ocasião do encontro do Evangelho com a sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção de bens de consu­mo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas de trabalho e de propriedade. o desenvolvimento da doutrina da Igreja, em matéria econômica e social, atesta valor o permanente do ensinamento da Igreja e, ao mesmo tempo, o sentido verdadeiro de sua Tradição sempre viva e ativa[a32] .

2422     O [§33] ensinamento social da Igreja abrange um corpo de doutrina na que se articula à medida que a Igreja interpreta os acontecimentos ao longo da história, à luz do conjunto da palavra revelada por Jesus Cristo, com a assistência do Espírito Santo[a34] . Este ensinamento se torna mais aceitável aos homens de boa vontade quanto mais profundamente inspira a conduta dos fiéis.

2423     A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão apresenta critérios de juízo, orienta para a ação.

Todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana e de seus atos[a35] .

2424     Uma [§36] teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social[a37] .

Um sistema que "sacrifica os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização coletiva da produção" é contrário à dignidade do homem[a38] . Toda prática que reduz as pessoas a não serem mais que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem, conduz a idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo. "Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24; Lc 16,13).

2425     A [§39] Igreja tem rejeitado as ideologias totalitárias e atéias associadas, nos tempos modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo”. Além disso, na prática do "capitalismo", ela recusou o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano[a40] . A regulamentação da economia exclusivamente por meio planejamento centralizado perverte na base os vínculos sociais; sua regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a justiça social, "pois há muitas necessidades humanas que não podem atendidas pelo mercado[a41] ". É preciso preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas econômicas, de acordo com uma justa hierarquia de valores e em vista do bem comum.

IV. A atividade econômica e a justiça social

2426     O [§42] desenvolvimento das atividades econômicas e o cresci­mento da produção estão destinados a servir às necessidades dos seres humanos. A vida econômica não visa somente mul­tiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; antes de tudo, ela está ordenada ao serviço das pessoas, do homem em sua totalidade e de toda a comunidade humana. Conduzida segundo seus métodos próprios, a atividade econô­mica deve ser exercida dentro dos limites da ordem moral, segundo a justiça social, a fim de corresponder ao plano de Deus acerca do homem[a43] .

2427     O [§44] trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar, ajudando-se mutuamente, a obra da criação, dominando a terra[a45] . O trabalho é, pois, um dever: "Quem não quer trabalhar também não há de comer" (2Ts 3,10[a46] ). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor. Suportando a pena [a47] do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré e o cru­cificado do Calvário, o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus em sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo carregando a cruz, cada dia, na atividade que é chamado a realizar[a48] . O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito de Cristo.

2428     No [§49] trabalho, a pessoa exerce e realiza uma parte das capa­cidades inscritas em sua natureza. O valor primordial do trabalho está ligado ao próprio homem, que é seu autor e destinatário. O trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho[a50] .

Cada um deve poder tirar do trabalho os meios para sus­tentar-se, a si e aos seus, bem como para prestar serviço à comunidade humana.

2429     Cada um tem o direito de iniciativa econômica, cada um usará legitimamente de seus talentos para contribuir para uma abundância que seja de proveito para todos e para colher os justos frutos de seus esforços. Cuidará de seguir as prescrições emanadas das autoridades legitimas, tendo em vista o bem comum[a51] .

2430     A vida econômica abrange interesses diversos, muitas vezes opostos entre si. Assim se explica o surgimento dos conflitos que a caracterizam[a52] . Deve haver empenho no sentido de minimiza estes últimos pela negociação que respeite os direitos e os deveres de cada parceiro social: os responsáveis pelas empresas, os representantes dos assalariados, por exemplo, as organizações sindicais e, eventualmente, os poderes públicos.

2431     A [§53] responsabilidade do Estado. "A atividade econômica, sobretudo a da economia de mercado, não pode desenvolver-se num vazio institucional, jurídico e político. Ela supõe que sejam asseguradas as garantias das liberdades individuais e da propriedade, sem esquecer uma moeda estável e serviços públicos eficazes. O dever essencial do Estado, no entanto, é assegurar essas garantias, para que aqueles que trabalham possam gozar do fruto de seu trabalho e, portanto, sentir-se estimulados a realizá-lo com eficácia e honestidade... O Estado tem o dever de vigiar e conduzir a aplicação dos direitos humanos no setor econômico; nessa esfera, porém, a primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas às instituições e aos diversos grupos e associações que compõem a sociedade[a54] .”

2432     Os [§55] responsáveis pelas empresas têm, perante a sociedade a responsabilidade econômica e ecológica por suas operações[a56] . Têm o dever de considerar o bem das pessoas e não apenas aumento dos lucros. Entretanto, estes são necessários, pois permitem realizar os investimentos que garantem o futuro das empresas, garantindo o emprego.

2433     O acesso ao trabalho e à profissão deve estar aberto a todos, sem discriminação injusta: homens e mulheres, normais e excepcionais ou deficientes, autóctones e migrantes[a57] . Em função das circunstâncias, também a sociedade deve ajudar os cidadãos a conseguir um trabalho e um emprego[a58] .

2434     O [§59] salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo pode constituir uma grave injustiça[a60] . Para se ava­liar a remuneração eqüitativa, e preciso levar em conta ao mesmo tempo as necessidades e as contribuições de cada um. "Levando-se em consideração as funções e a produtividade, a situação da empresa e o bem comum, a remuneração do tra­balho deve garantir ao homem e a seus familiares os recursos necessários a uma vida digna no plano material, social, cultu­ral e espiritual[a61] .” O acordo das partes não é suficiente para justificar moralmente o montante do salário.

2435     A greve é moralmente legítima quando se apresenta como um recurso inevitável, e mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado. Torna-se moralmente inaceitável quando é acompanhada de violências ou ainda quando se lhe atribuem objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.

2436     E injusto não pagar aos organismos de seguridade social as cotas estipuladas pelas autoridades legítimas.

A privação do trabalho por causa do desemprego é quase sempre, para quem a sofre, um atentado à dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Além do prejuízo pessoal para o desempregado, corre também inúmeros riscos o seu 1ar[a62] .

V. Justiça e solidariedade entre as nações

2437     No [§63] plano internacional, a desigualdade dos recursos e dos meios econômicos é tão grande que provoca entre as nações um verda­deiro "fosso[a64] ". De um lado, estão os que detêm e desenvolvem os meios de crescimento e, de outro, os que acumulam as dívidas.

2438     Diversas [§65] causas, de natureza religiosa, política, econômica e financeira, conferem hoje a questão social uma dimensão mun­dial[a66] ". A solidariedade é necessária entre as nações cujas políticas já são interdependentes. E ainda mais indispensável quando se toma preciso deter "os mecanismos perversos" que impedem o desenvolvimento dos países menos avançados[a67] . Urge substituir os sistemas financeiros abusivos e mesmo usurários[a68] , as relações comerciais iníquas entre as nações e a corrida armamentista por um esforço comum no sentido de mobilizar os recursos e objetivos de desenvolvimento moral, cultural e econômico, "redefinindo as prioridades e as escalas de valores[a69] ".

2439     As nações ricas têm uma responsabilidade moral grave para com aquelas que não podem garantir sozinhas os próprios meios de seu desenvolvimento ou foram impedidas de fazê­-lo por trágicos acontecimentos históricos. E um dever de solidariedade e caridade; é igualmente uma obrigação de justiça, se o bem-estar das nações ricas provém de recursos naturais não foram eqüitativamente pagos.

2440     A ajuda direta representa uma resposta apropriada a necessidades imediatas, extraordinárias, causadas por catástrofes naturais, epidemias etc., mas não basta para reparar os graves prejuízos que resultam de situações de miséria nem para prover permanentemente às necessidades. É necessário também reformar as instituições econômicas e financeiras internacionais, para que elas promovam melhor as relações eqüitativas com os países menos desenvolvidos[a70] . E preciso apoiar o esforço dos países pobres trabalhando para seu desenvolvimento e libertação[a71] . Esta doutrina deve ser aplicada de maneira muito especial no âmbito do trabalho agrícola. Os camponeses, sobretudo dos países menos desenvolvidos, constituem a massa preponderante dos pobres.

2441     Aumentar [§72] o senso de Deus e o conhecimento de si mesmo é a base de todo desenvolvimento completo da sociedade humana. Este desenvolvimento completo multiplica os bens materiais e os põe a serviço da pessoa e de sua liberdade. Diminui a miséria e a exploração econômicas. Faz crescer o respeito pelas; identidades culturais e a abertura para a transcendência[a73] .

2442     Não [§74] cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Essa ta­refa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por pró­pria iniciativa com seus concidadãos. A ação social pode implicar uma pluralidade de caminhos concretos. Terá sempre em vista o bem comum e se conformará com a mensagem evangélica e com a doutrina da Igreja. Cabe aos fiéis leigos "animar as realidades temporais com um zelo cristão e comportar-se como artesãos da paz e da justiça[a75] ".

VI[§76] . O amor aos pobres

2443     Deus [§77] abençoa aqueles que ajudam os pobres e reprova aque­les que se afastam deles: "Dá ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado" (Mt 5,42). "De graça recebes­tes, de graça dai" (Mt 10,8). Jesus Cristo reconhecerá seus eleitos pelo que tiverem feito pelos pobres[a78] . Temos o sinal da presença de Cristo quando "os pobres são evangelizados" (Mt 11,53[a79] )

2444     "O [§80] amor da Igreja pelos pobres... faz parte de sua tradição constante[a81] ." Inspira-se no Evangelho das bem-aventuranças[a82] , na pobreza de Jesus [a83] e em sua atenção aos pobres[a84] . O amor aos pobres é também um dos motivos do dever de trabalhar, "para se ter o que partilhar com quem tiver necessidade[a85] . Não se estende apenas à pobreza material, mas também às numerosas formas de pobreza cultural e religiosa[a86] .

2445     O [§87] amor aos pobres é incompatível com o amor imoderado das riquezas ou o uso egoísta delas:

Pois bem, agora vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que estão para vos sobrevir. Vossa riqueza apodreceu e vossas vestes estão carcomidas pelas traças. Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e sua ferrugem testemunhará contra vós e de­vorará vossas carnes. Entesourastes como que um fogo nos tempos do fim! Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram vossos campos, clama, e os gritos dos cei­feiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Viveste faustosamente na terra e vos regalastes; vós vos saciastes no dia matança. Condenastes o justo e o pusestes à morte: ele não resiste (Tg 5,1-6).

2446     São [§88] João Crisóstomo lembra essa verdade em termos vigorosos: "Não deixar os pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Nós não detemos nossos bens, mas os deles[a89] ." "É preciso satisfazer acima de tudo as exigências da justiça, para que não ofereçamos como dom da caridade aquilo que já é devido por justiça[a90] ."

Quando damos aos pobres as coisas indispensáveis, não praticamos com eles grande generosidade pessoal, mas lhes devolvemos o que é deles. Cumprimos um dever de justiça e não tanto um ato de caridade[a91] .

2447     As [§92] obras de misericórdia são as ações caritativas pelas quais socorremos o próximo em suas necessidades corporais e espirituais[a93] . Instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporal consistem sobretudo em dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e prisioneiros, sepultar os mortos[a94] . Dentre esses gestos de misericórdia, a esmola dada aos pobres [a95] é um dos principais testemunhos da caridade fraterna. E também uma prática de justiça que agrada a Deus[a96] .

Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, quem tiver o que comer, faça o mesmo (Lc 3,11). Dai o que tendes em esmola, e tudo ficará puro para vós (Lc 11,41). Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser "Ide paz, aquecei-vos e saciai-vos, e não lhes der o necessário para manutenção, que proveito haverá nisso? (Tg 2, 15-16[a97] ).

2448     "[§98] Sob suas múltiplas formas - extrema privação material, opressão injusta, enfermi­dades físicas e psíquicas e, por fim, a morte -, a miséria humana é o sinal manifesto da condição natural da fraqueza em que o homem se encontra após o primei­ro pecado e da necessidade de uma salvação. É por isso que ela atrai a compaixão de Cristo Salvador, que quis assumi-la sobre si, identificando-se com os 'mais pequeninos entre seus irmãos'. É também por isso que todos aqueles que ela atinge são objeto de um amor preferencial por parte da Igreja, que, desde as suas origens, apesar das falhas de muitos de seus membros, não dei­xou nunca de trabalhar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los. Ela o faz por meio de inúmeras obras de beneficência, que continuam a ser, sempre e por toda parte, indispensáveis[a99] ."

2449     [§100] no Antigo Testamento, todas as medidas jurídicas (ano de perdão, proibição de empréstimo a juros e da manutenção de penhora, obrigação do dízimo, pagamento cotidiano ao tra­balhador diarista, direito de rebusca nas vinhas e respiga nos campos) são uma resposta à exortação do Deuteronômio:

"Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso que eu te ordeno: abre a mão em favor de teu irmão que é humilhado e pobre em tua terra" (Dt 15,11). Jesus faz suas essas palavras:

"Sempre tereis pobres convosco; mas a mim nem sempre tereis" (Jo 12,8). Dessa forma, ele não deixa caducar a veemência dos oráculos antigos contra aqueles que "compram o fraco com prata e o indigente por um par de sandálias..." (Am 8,6), mas Ele nos convida a reconhecer sua presença nos pobres, que são seus irmãos[a101] :

No dia em que sua mãe a repreendeu por manter em casa pobres e doentes, Santa Rosa de Lima [a102] lhe replicou: "Quando servimos aos pobres e doentes, servimos a Jesus. Não nos devemos cansar de ajudar o próximo, porque neles é a Jesus que servimos".

RESUMINDO

2450     "Não roubarás" (Dt 5,19). "Nem os ladrões, nem os avarentos... nem os rapinadores herdarão o Reino de Deus" (1 Cor 6,10).

2451     O sétimo mandamento prescreve a prática da justiça e da caridade na administração dos bens terrenos e dos frutos do trabalho dos homens.

2452     Os bens da criação são destinados a todo o gênero humanos. O direito à propriedade privada não abole a destinação universal dos bens.

2453     O sétimo mandamento proíbe o roubo. O roubo é a usurpação de um bem de outrem contra a vontade razoável do proprietário;

2454     Toda forma de apropriação e uso injusto dos bens de outrem é contrária ao sétimo mandamento. A injustiça cometida exige reparação. A justiça comutativa exige a restituição do bem roubado.

2455     A lei moral proíbe os atos que, visando a fins mercantis ou totalitários, conduzem à servidão dos seres humanos, à sua compra, venda e troca como mercadorias.

2456     O domínio concedido pelo Criador sobre os recursos minerais, vegetais e animais do universo não pode ser separado do respeito às obrigações morais, inclusive para com as gerações futuras.

2457     Os animais são confiados à administração do homem, que lhes deve benevolência. Podem servir para a justa satisfação das necessidades do homem.

2458     A Igreja emite um juízo em matéria econômica e social quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas exigem. Preocupa-se com o bem comum temporal dos homens em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último.

2459     O próprio homem é o autor, o centro e o fim de toda a vida econômica e social. O ponto decisivo da questão social é que os bens criados por Deus para todos de fato cheguem a todos conforme a justiça e com a ajuda da caridade.

2460     O valor primordial do trabalho depende do próprio homem, que é seu autor e destinatário. Por meio de seu trabalho, o homem participa da obra da criação. Unido a Cristo, o trabalho pode ser redentor.

2461     O verdadeiro desenvolvimento abrange o homem inteiro. O que importa é fazer crescer a capacidade de cada pessoa de responder à sua vocação, portanto, ao chamamento de Deus[a103] .

2462     A esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fra­terna; é também uma prática de justiça que agrada a Deus.

2463     Na multidão de seres humanos sem pão, sem teto, sem terra, como não reconhecer Lázaro, mendigo faminto da parábo­1a[a104] ? Como não ouvir Jesus, que diz: "Foi a mim que o deixastes de fazer" (Mt 25,45)?

 

 

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Folha de Apresentação

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Qualquer falha constatada avise-nos

Rev.2 de  dez/2003


 [§1]1807,952

 [§2] 226,1939

 [a3]Cf Gn 1,26-29

 [§4]307

 [a5]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 69,1: AAS 58 (1966) 1090.

 [§6]1903

 [a7]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 71,4: AAS 58 (1966) 1093; João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 42: AAS 80 (1988) 572-574; Id., Carta encíclica Centesimus annus, 40: AAS 83 (1991) 843; Idem, 48: AAS 83 (1991) 852-854.

 [§8]1809,1807,1839

 [a9]Cf 2 Cor 8,9

 [a10]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 69,1: AAS 58 (1966) 1090-1091.

 [§11] 1867

 [a12]Cf Dt 25,13-16.

 [a13]Cf Dt 24,14-15; Tg 5,4.

 [a14]Cf Am 8,4-6.

 [§15] 2101

 [§16]1807

 [§17] 1459,2487

 [§18] 2297

 [§19]226,358,373,378

 [a20]Cf Gn 1,28-31

 [a21]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 37-38: AAS 83 (1991) 840-841.

 [§22]344

 [a23]Cf Mt 6,26

 [a24]Cf Dn 3,79-81

 [§25]2234

 [a26]Cf Gn 2,19-20; 9,1-4

 [§27]2446

 [§28] 1960,359

 [a29]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 23,1: AAS 58 (1966) 1044.

 [§30]2032,2246

 [a31]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 76,5: AAS 58 (1966) 1100.

 [a32]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 3: AAS 83 (1991) 794-796.

 [§33]2044

 [a34]Cf João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 1: AAS 80 (1988) 513-514; Idem, 41: AAS 80 (1988) 570-572.

 [a35]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 24: AAS 83 (1991) 821-822

 [§36]2317

 [a37]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 63,3: AAS 58 (1966) 1085; João Paulo II, Carta encíclica Laborem exercens, 7: AAS 73 (1981) 592-594; Id., Carta encíclica Centesimus annus, 35: AAS 83 (1991) 836-838.

 [a38]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 65: AAS 58 (1966) 1087.

 [§39]676,1886

 [a40]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 804-806; Idem, 13: AAS 83 (1991) 809-810; Idem, 44: AAS 83 (1991) 848-849.

 [a41]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 34: AAS 83 (1991) 836.

 [§42]1928

 [a43]Cf.Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 64: AAS 58 (1966) 1086

 [§44]307,378,531

 [a45]Cf Gn 1,28; Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 34: AAS 58 (1966) 1052-1053; João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 31: AAS 83 (1991) 831-832.

 [a46]Cf 1 Ts 4,11.

 [a47]Cf Gn 3,14-19.

 [a48]Cf João Paulo II, Carta encíclica Laborem exercens, 27: AAS 73 (1981) 644-647.

 [§49]2834,2185

 [a50]Cf João Paulo II, Carta encíclica Laborem exercens, 6: AAS 73 (1981) 589-592.

 [a51]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 32: AAS 83 (1991) 832-833; Idem, 34: AAS 83 (1991) 835-836.

 [a52]Cf João Paulo II, Carta encíclica Laborem exercens, 11: AAS 73 (1981) 602-605.

 [§53]1908,1883

 [a54]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 48: AAS 83 (1991) 852-853.

 [§55]2415

 [a56]587 Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 37: AAS 83 (1991) 840.

 [a57]Cf João Paulo II, Carta encíclica Laborem exercens, 19: AAS 73 (1981) 625-629; Idem, 22-23: AAS 73 (1981) 634-637.

 [a58] Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 48: AAS 83 (1991) 852-854.

 [§59]1867

 [a60]Cf Lv 19,13; Dt 24,14-15; Tg 5,4

 [a61]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 67: AAS 58 (1966) 1088-1089.

 [a62]Cf João Paulo II, Carta encíclica Laborem exercens, 18: AAS 73 (1981) 622-625.

 [§63]1938

 [a64]Cf João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 14: AAS 80 (1988) 526-528.

 [§65] 1911,2315

 [a66]João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 9: AAS 80 (1988) 520-521.

 [a67]Cf João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 17: AAS 80 (1988) 532-533; Idem, 45: AAS 80 (1988) 577-578.

 [a68]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 35: AAS 83 (1991) 836-838.

 [a69]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 28: AAS 83 (1991) 828.

 [a70]Cf João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 16: AAS 80 (1988) 531.

 [a71]599 Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 26: AAS 83 (1991) 824-826.

 [§72] 1908

 [a73]Cf João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 32: AAS 80 (1988) 556-557; Id., Carta encíclica Centesimus annus, 51: AAS 83 (1991) 856-857.

 [§74]899

 [a75]João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo Rei socialis, 47: AAS 80 (1988) 582; cf Idem, 42: AAS 80 (1988) 572-574.

 [§76]2544-2547

 [§77] 786,525,544,853

 [a78]Cf Mt 25,31-36.

 [a79]Cf Lc 4,18.

 [§80]1716

 [a81]João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 57: AAS 83 (1991) 862-863.

 [a82]Cf Lc 6,20-22.

 [a83]Cf Mt 8,20.

 [a84]Cf Mc 12,41-44

 [a85]Cf Ef 4,28

 [a86]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 57: AAS 83 (1991) 863.

 [§87]2536,2547

 [§88]2402

 [a89]São João Crisostomo, In Lazarum, concio 2, 6: PG 48, 992.

 [a90]Concílio Vaticano II, Decreto  Apostolicam actuositatem, 8: AAS 58 (1966) 845.

 [a91]São Gregorio Magno, Regula pastoralis, 3, 21, 45: SC 382, 394 (PL 77, 87.

 [§92]1460,1038,1969,1004

 [a93]Cf Is 58,6-7; Hb 13,3.

 [a94]Cf Mt 25,31-46.

 [a95]Cf Tb 4,5-11; Eclo 17,18.

 [a96]Cf Mt 6,2-4.

 [a97]Cf 1 Jo 3,17.

 [§98]386,1586

 [a99]Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução Libertatis conscientia, 68: AAS 79 (1987) 583.

 [§100]1397,786

 [a101]Cf Mt 25,40.

 [a102]P. Hansen, Vida mirabilis [...] venerabilis sororis Rosae de Santa Maria Limensis (Roma 1664) p. 200.

 [a103]Cf João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, 29: AAS 83 (1991) 828-830.

 [a104] Cf Lc 16,19-31.