Catecismo da Igreja Católica
TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
ARTIGO 5
O QUINTO MANDAMENTO
Não matarás (Ex 20,13).
Ouvistes o que foi dito aos antigos: "Não matarás. Aquele que matar terá de responder ao tribunal". Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal (Mt 5,21-22).
2258 "A [§1]vida humana é sagrada porque desde sua origem ela encerra a ação criadora de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é o dono da vida, do começo ao fim; ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente[a2]."
I. O respeito â vida humana
O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA
2259 A [§3]Escritura, no relato do assassinato de Abel por seu irmão Caim[a4], revela, desde o começo da história humana, a presença da cólera e da cobiça no homem, conseqüências do pecado original. O homem se tornou inimigo de seu semelhante. Deus expressa a atrocidade deste fratricídio: "Que fizeste? Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim. Agora, és maldito e expulso do solo fértil que abriu a boca para receber de tua mão o sangue de teu irmão" (Gn 4,10-11).
2260 A aliança entre Deus e a humanidade está cheia de lembranças do dom divino da vida humana e da violência assassina do homem:
Pedirei contas do sangue de cada um de vós...Quem derramar o sangue do homem, pelo homem terá seu sangue derramado. Pois à imagem de Deus o homem foi feito (Gn 9,5-6).
O Antigo Testamento sempre considerou o sangue como um sinal sagrado da vida[a5]. A necessidade deste ensinamento é para todos os tempos.
2261 A [§6]Escritura determina com precisão a proibição do quinto mandamento: "Não matarás o inocente nem o justo" (Ex 23,7). O assassinato voluntário de um inocente é gravemente contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o proscreve é universalmente válida, isto é, obriga a todos e a cada um, sempre e em toda parte.
2262 No [§7]Sermão da Montanha, o Senhor recorda o preceito: "Não matarás" (Mt 5,21), e acrescenta a proibição da cólera, do ódio e da vingança. Mais ainda, Cristo diz a seu discípulo que ofereça a outra face [a8]e ame seus inimigos[a9]. Ele mesmo não se defendeu e disse a Pedro que deixasse a espada na bainha[a10].
A LEGÍTIMA DEFESA
2263 A [§11]legítima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de matar o inocente, que constitui o homicídio voluntário. "A ação de defender-se pode acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor[a12].. Só se quer o primeiro; o outro, não[a13]."
2264 O [§14]amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto, é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor:
Se alguém, para se defender, usar de violência mais do que o necessário, seu ato será ilícito. Mas, se a violência for repelida com medida, será lícito... E não é necessário para a salvação omitir este ato de comedida proteção para evitar matar o outro, porque, antes da de outrem, se está obrigado a cuidar da própria vida[a15].
2265 A[§16] legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outros. Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem. A este título os legítimos detentores da autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis.
2266 Corresponde [§17]a uma exigência de tutela do bem comum c esforço do Estado destinado a conter a difusão de comportamentos lesivos aos direitos humanos e às regras fundamentais de convivência civil. A legítima autoridade pública tem o direito e o dever de infligir penas proporcionais à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela culpa, Quando essa pena é voluntariamente aceita pelo culpado tem valor de expiação. Assim, a pena, além de defender a ordem pública c de tutelar a segurança das pessoas, tem um objetivo medicinal: na medida do possível, deve contribuir à correção do culpado.
2267 O [§18]ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de com provadas cabalmente a identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.
Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana[a19].
O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
2268 O[§20] quinto mandamento proscreve como gravemente pecaminoso o homicídio direto e voluntário. O assassino e os que cooperam voluntariamente com o assassinato cometem um pecado que clama ao céu por vingança[a21].
O infanticídio[a22], o fratricídio, o parricídio e o assassinato do cônjuge são crimes particularmente graves, devido aos laços naturais que rompem. Preocupações de eugenismo ou de higiene pública não podem justificar nenhum assassinato, mesmo a mando dos poderes públicos.
2269 O [§23]quinto mandamento proíbe que se faça algo com a intenção de provocar indiretamente a morte de uma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém a um risco mortal sem razão grave, bem como recusar ajuda a uma pessoa em perigo.
A aceitação pela sociedade humana de condições de miséria que levem à própria morte sem se esforçar por remediar a situação constitui uma injustiça escandalosa e uma falta grave. Todo aquele que em seus negócios se der a práticas usurárias e mercantis que provoquem a fome e a morte de seus irmãos (homens) comete indiretamente um homicídio, que lhe é imputável[a24].
O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não está isento de falta grave quem, sem razões proporcionais, agiu de maneira a provocar a morte, ainda que sem a intenção de causá-la.
O ABORTO
2270 A [§25] vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida[a26].
Antes mesmo de te formares no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei (Jr 1,5[a27]).
Meus ossos não te foram escondidos quando eu era feito, em segredo, tecido na terra mais profunda (Sl 139,15).
2271 Desde [§28]o século I, a Igreja afirmou a maldade moral de todo aborto provocado. Este ensinamento não mudou. Continua invariável. O aborto direto, quer dizer, querido como um fim ou como um meio, é gravemente contrário à lei moral:
Não matarás o embrião por aborto e não farás perecer o recém-nascido[a29].
Deus, senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo d preservar a vida, para ser exercido de maneira condigna ao homem Por isso a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção. O aborto e o infanticídio são crimes nefandos[a30].
2272 A[§31] cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave. A Igreja sanciona com uma pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. "Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae[a32]" "pelo próprio fato de cometer o delito[a33]" e nas condições previstas pelo Direito[a34]. Com isso, a Igreja não quer restringir o campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao 'inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade.
O inalienável direito à vida de todo indivíduo humano inocente é um elemento constitutivo da sociedade civil e de sua legislação:
"Os direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se origina. Entre estes direitos fundamentais é preciso citar o direito à vida e à integridade física de todo se humano, desde a concepção até a morte[a35]."
2273 "No momento em que uma lei positiva priva uma categoria de seres humanos da proteção que a legislação civil lhes deve dar, o estado nega a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não coloca sua força a serviço dos direitos de todos os cidadãos, particularmente dos mais fracos, os próprios fundamentos de um estado de direito estão ameaçados... Como conseqüência do respeito e da proteção que devem ser garantidos à criança desde o momento de sua concepção, a lei deverá prever sanções penais apropriadas para toda violação deliberada dos direitos dela[a36]."
Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a concepção, o embrião deverá ser defendido em sua integridade, cuidado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano.
2274 O diagnóstico pré-natal é moralmente licito "se respeitar a vida e a integridade do embrião e do feto humano, e se está orientado para sua salvaguarda ou sua cura individual... Está gravemente em oposição com a lei moral quando prevê, em função dos resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico não deve ser o equivalente de uma sentença de morte[a37]".
"Devem ser consideradas lícitas as intervenções sobre o embrião humano quando respeitam a vida e a integridade do embrião e não acarretam para ele riscos desproporcionados, mas visam à sua cura, à melhora de suas condições de saúde ou à sua sobrevivência individual[a38]."
"É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material biológico disponível[a39]."
2275 "Certas[§40] tentativas de intervenção sobre o patrimônio cromossômico ou genético não são terapêuticas, mas tendem à produção de seres humanos selecionados segundo o sexo ou outras qualidades preestabelecidas. Essas manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade" única, não reiterável[a41].
A EUTANÁSIA
2276 Aqueles cuja vida está diminuída ou enfraquecida necessitam de um respeito especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para levar uma vida tão normal quanto possível.
2277 Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível.
Assim, uma ação ou uma omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de suprimir a dor constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo no qual se pode ter caído de boa-fé não muda a natureza deste ato assassino, que sempre deve ser condenado e excluído[a42].
2278 A[§43] interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da "obstinação terapêutica". Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la. As decisão devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso; caso contrário, pelos que têm direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente.
2279 Mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O emprego de analgésicos para aliviar os sofrimentos moribundo, ainda que com o risco de abreviar seus dias, pode ser moralmente conforme à dignidade humana se a morte não é desejada, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma privilegiada de caridade desinteressada. Por esta razão devem ser encorajados.
O SUICÍDIO
2280 Cada [§44]um é responsável por sua vida diante de Deus, que "lha deu e que dela é sempre o único e soberano Senhor. Devemos receber a vida com reconhecimento e preservá-la para honra dele e salvação de nossas almas. Somos os administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela.
2281 O[§45] suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente ao amor do próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.
2282 Se[§46] for cometido com a intenção de servir de exemplo, principalmente para os jovens, o suicídio adquire ainda a gravidade de um escândalo. A cooperação voluntária ao suicídio é contrária à lei moral.
Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou da tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida.
2283 Não [§47]se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.
II. O respeito â dignidade das pessoas
O RESPEITO À ALMA DO OUTRO: O ESCÂNDALO
2284 O[§48] escândalo é a atitude ou o comportamento que leva outrem a praticar o mal. Aquele que escandaliza torna-se o tentador do próximo. Atenta contra a virtude e a retidão; pode arrastar seu irmão à morte espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se, por ação ou omissão, conduzir deliberadamente o outro a uma falta grave.
2285 O [§49]escândalo se reveste de uma gravidade particular em virtude da autoridade dos que o causam ou da fraqueza dos que o sofrem. Foi o que inspirou a Nosso Senhor a seguinte maldição "Caso alguém escandalize um destes pequeninos, melhor será que lhe pendurem ao pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar" (Mt [a50],18,6). O escândalo é grave quando é dado por aqueles que, por natureza ou por função, devem ensinar e educar os outros. Jesus censura os escribas e os fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros[a51]
2286 O[§52] escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou pela opinião.
Tomam-se, portanto, culpados de escândalo aqueles que instituem leis ou estruturas sociais que levam à degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa ou a "condições sociais que, voluntariamente ou não, tomam difícil e praticamente impossível uma conduta cristã conforme aos mandamentos[a53]". O mesmo vale para chefes de empresas que fazem regulamentos que incitam à fraude, para professores que "exasperam" os alunos [a54]ou para aqueles que, manipulando a opinião pública, a afastam dos valores morais.
2287 Quem usa os poderes de que dispõe de tal maneira que induzam ao mal torna-se culpado de escândalo e responsável pelo mal que, direta ou indiretamente, favorece. "E inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causar" (Lc 17,1).
O RESPEITO Á SAÚDE
2288 A [§55]vida e a saúde física são bens preciosos doados por Deus. Devemos cuidar delas com equilíbrio, levando em conta as necessidades alheias e o bem comum.
O cuidado com a saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para obter as condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimento, roupa, moradia, cuidado da saúde, ensino básico, emprego, assistência social.
2289 Se [§56]a moral apela para o respeito à vida corporal, não faz desta um valor absoluto, insurgindo-se contra uma concepção neopagã que tende a promover o culto do corpo, a tudo sacrificar-lhe, a idolatrar a perfeição física e o êxito esportivo. Em razão da escolha seletiva que faz entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.
2290 A[§57] virtude da temperança manda evitar toda espécie de exceção, o abuso da comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou por gosto imoderado pela velocidade, põem em risco a segurança alheia e a própria, nas estradas, no mar ou no ar, tomam-se gravemente culpáveis.
2291 O uso da droga causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. Salvo indicações estritamente terapêuticas, constitui falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas; constituem uma cooperação direta com o mal, pois incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral
O RESPEITO À PESSOA E À PESQUISA CIENTÍFICA
2292 As experiências científicas, médicas ou psicológicas em pessoas ou grupos humanos podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.
2293 A[§58] pesquisa científica de base, como a pesquisa aplicada, constituem uma expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são recursos preciosos postos a serviço do homem e promovem seu desenvolvimento integral em benefício de todos; contudo, não podem indicar sozinhas o sentido da existência e do progresso humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, do qual provêm sua origem e seu crescimento; portanto, encontram na pessoa e em seus valores morais a indicação de sua finalidade e a consciência de seus limites.
2294 É [§59]ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e de suas aplicações. Além disso, os critérios de orientação não podem ser deduzidos nem da simples eficácia técnica nem da utilidade que possa derivar daí para uns em detrimento dos outros, e muito menos das ideologias dominantes. A ciência e a técnica exigem, por seu próprio significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios fundamentais da moralidade; devem estar a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus.
2295 As [§60]pesquisas ou experiências no ser humano não podem legitimar atos em si mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O consentimento eventual dos sujeitos não justifica tais atos. A experiência em seres humanos não é moralmente legítima se fizer a vida ou a integridade física e psíquica do sujeito correrem riscos desproporcionais ou evitáveis. A experiência em seres humanos não atende aos requisitos da dignidade da pessoa se ocorrer sem o consentimento explícito do sujeito ou de seus representantes legais.
2296 O [§61]transplante de órgãos é conforme à lei moral se os riscos e os danos físicos e psíquicos a que se expõe o doador são proporcionais ao bem que se busca para o destinatário. A doação de órgãos após a morte é um ato nobre e meritório e merece ser encorajado como manifestação de generosa solidariedade. O transplante de órgãos não é moralmente aceitável se o doador ou seus representante legais não tiverem dado seu expresso consentimento para tal. Além disso, é moralmente inadmissível provocar diretamente mutilação que venha a tornar alguém inválido ou provocar diretamente a morte, mesmo que seja para retardar a morte de outras pessoas.
O RESPEITO À INTEGRIDADE CORPORAL
2297 Os seqüestros e a tomada de reféns fazem reinar o terror e, pela ameaça, exercem pressões intoleráveis sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e mata sem discriminação; isso é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa de violência física ou moral para arrancar confissões, castigar culpados, amedrontar opositores, satisfazer o ódio, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. Fora das indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações de esterilizações diretamente voluntárias de pessoas inocentes contrárias à lei moral[a62].
2298 Em [§63]tempos passados, práticas cruéis foram comumente utilizadas por governos legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, os quais adotaram eles em mesmos, em seus próprios tribunais, prescrições do direito romano sobre a tortura. Ao lado destes fatos lamentáveis, a Igreja sempre ensinou o dever de clemência e misericórdia: proibiu aos clérigos derramarem sangue. Em tempos recentes, ficou evidente que essas práticas cruéis não eram nem necessárias para a ordem pública nem estavam de acordo com os direitos legítimos da pessoa humana. Ao contrário, essas práticas conduzem às piores degradações. E preciso trabalhar por sua abolição. E preciso orar pelas vitimas e por seus algozes.
O RESPEITO AOS MORTOS
2299 Deve[§64]-se dispensar atenção e cuidado aos moribundos, para ajudá-los a viver seus últimos momentos na dignidade e na paz. Devem também ser ajudados pela oração dos familiares. Estes cuidarão para que os doentes recebam em tempo oportuno os sacramentos que preparam para o encontro com o Deus vivo.
2300 Os [§65]corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e na esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal [a66]que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301 A [§67]autópsia de cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou de pesquisa científica. A doação gratuita de órgãos após a morte é legítima e pode ser meritória.
A Igreja permite a cremação, se esta não manifestar uma posição contrária à fé na ressurreição dos corpos[a68].
III. A salvaguarda da paz
A PAZ
2302 Ao [§69]lembrar o preceito "Tu não matarás" (Mt 5,21), Nosso Senhor pede a paz do coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio.
A cólera é um desejo de vingança. "Desejar a vingança para o mal daquele que é preciso punir é ilícito, mas é louvável impor uma reparação "para a correção dos vícios e a conservação da justiça[a70]". Se a cólera chega ao desejo deliberado de matar o próximo ou de feri-lo com gravidade, atenta gravemente contra a caridade, constituindo pecado mortal. O Senhor disse: "Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal" (Mt 5,22).
2303 O [§71]ódio voluntário é contrário à caridade. O ódio ao próximo é um pecado quando o homem quer deliberadamente seu mal. O ódio ao próximo é um pecado grave quando se lhe deseja deliberadamente um grave dano. "Eu, porém, vos digo: amai VOSSOS inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos de vosso Pai que esta nos céus..." (Mt 5 ,44-45).
2304 O [§72]respeito e o desenvolvimento da vida humana exigem a paz. A paz não é somente ausência de guerra e não se limita a garantir o equilíbrio das forças adversas. A paz não pode ser obtida na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, sem a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos, a prática assídua da fraternidade. E a "tranqüilidade da ordem[a73]", "obra da justiça" (Is 32,17) e efeito da caridade[a74].
2305 A [§75]paz terrestre é imagem e fruto da paz de Cristo, o Príncipe da paz" messiânica (Is 9,5). Pelo sangue de sua cruz, Ele “matou a inimizade na própria carne[a76]", reconciliou os homens com Deus e fez de sua Igreja o sacramento da unidade do gênero humano de sua união com Deus[a77]. "Ele é a nossa paz" (Ef 2,14). Declara "bem-aventurados os que promovem a paz" (Mt 5,9).
2306 Aqueles [§78]que renunciam à ação violenta e para proteger os direitos do homem, recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos testemunham a caridade evangélica, contanto que isso seja feito sem lesar os direitos e as obrigações dos outros homens e das sociedades. Atestam legitimamente a gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência, com seu cortejo de mortes e ruínas[a79]
EVITAR A GUERRA
2307 O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa dos males e das injustiças que toda guerra acarreta, a Igreja insta cada um a orar e agir para que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra[a80].
2308 Cada [§81]cidadão e cada governante deve agir de modo a evitar as guerras. Enquanto, porém, "houver perigo de guerra, sem que exista uma autoridade internacional competente e dotada de forças suficientes, e esgotados todos os meios de negociação pacífica, não se poderá negar aos governos o direito de legítima defesa[a82].
2309 É [§83]preciso considerar com rigor as condições estritas de uma legítima defesa pela força militar. A gravidade de tal decisão a submete a condições rigorosas de legitimidade moral. É preciso ao mesmo tempo que:
ü o dano infligido pelo agressor à nação ou à comunidade de nações seja durável, grave e certo;
ü todos os outros meios de pôr fim a tal dano se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes;
ü estejam reunidas as condições sérias de êxito;
ü o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação desta condição.
Estes são os elementos tradicionais enumerados na chamada doutrina da "guerra justa".
A avaliação dessas condições de legitimidade moral cabe ao juízo prudencial daqueles que estão encarregados do bem comum.
2310 Os [§84]poderes públicos tomarão as justas providências com relação ao caso daqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar, isto e, estão a serviço da segurança e da liberdade dos povos. Se desempenham corretamente sua tarefa, concorrem verdadeiramente para o bem comum da nação e para manter a paz[a85].
2311 Os [§86]poderes públicos devem prever eqüitativamente o caso daqueles que recusam o emprego das armas por motivos de consciência, mas que continuam obrigados a servir sob outra forma à comunidade humana[a87].
2312 A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante os conflitos armados. "Quando, por infelicidade, a guerra já se iniciou, nem tudo se torna lícito entre as partes inimigas[a88]."
2313 E [§89]preciso respeitar e tratar com humanidade os não-com-batentes, os soldados feridos e os prisioneiros.
Os atos deliberadamente contrários ao direito dos povos e a seus princípios universais, como as ordens que os determinam, constituem crimes. Uma obediência cega não é suficiente para escusar os que se submetem a esses atos e ordens. Portanto, o extermínio de um povo, de uma nação ou uma de minoria étnica deve ser condenado como pecado mortal. Deve-se moralmente resistir às ordens que impõem um genocídio.
2314 "Qualquer ação bélica que tem em vista a destruição indiscriminadamente nada de cidades inteiras ou de vastas regiões, com seus habitantes, é um crime contra Deus e contra o próprio homem a ser condenado com firmeza e sem hesitações[a90]." Um dos riscos da guerra moderna é dar ocasião aos possuidores de armas científicas, principalmente atômicas, biológicas ou químicas, de cometerem tais crimes.
2315 A acumulação de armas parece a muitos urna maneira paradoxal de dissuadir da guerra os eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz dos meios suscetíveis de garantir a paz entre as nações. Este procedimento de dissuasão impõe severas reservas morais. A corrida aos armamentos não garante a paz. Longe de eliminar as causas da guerra, corre o risco de agravá-las. O dispêndio de riquezas fabulosas na fabricação de n ovas armas sempre impede de socorrer as populações indigentes [a91]e entrava o desenvolvimento dos povos. O superarmamento multiplica as razões de conflitos e aumenta o risco de esses conflitos se multiplicarem.
2316 A [§92]produção e o comércio de armas afetam o bem comum das nações e da comunidade internacional. Por isso as autoridades públicas têm o direito e o dever de regulamentá-los. A busca de interesses privados ou coletivos a curto prazo não pode legitimar empreendimentos que fomentem a violência e os conflitos entre as nações e que comprometam a ordem jurídica internacional.
2317 As [§93]injustiças, as desigualdades excessivas de ordem econômica ou social, a inveja, a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações ameaçam sem cessar paz e causam as guerras. Tudo o que for feito para vencer essas desordens contribui para edificar a paz e evitar a guerra:
Pecadores que são, os homens vivem em perigo de guerra, e este perigo os ameaçará até a volta de Cristo. Mas, na medida em que, unidos pela caridade, superem o pecado, superarão igualmente as violências, até que se cumpra a palavra: "De suas espadas eles forjarão relhas de arado, e de suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra a outra, e já não se adestrarão para a guerra" (Is 2,4[a94]).
RESUMINDO
2318 "Deus tem em seu poder a alma de todo
ser vivo e o espírito de todo homem carnal" (Jó 12,10).
2319 Toda vida humana, desde o momento da
concepção até a morte, é sagrada, porque a pessoa humana foi querida por si
mesma à imagem e à semelhança do Deus vivo e santo.
2320 O assassinato de um ser humano é gravemente
contrário à dignidade da pessoa e à santidade do Criador.
2321 A proibição de matar não ab-roga o direito
de tirar a um opressor injusto a possibilidade de prejudicar. A legítima defesa
é um dever grave para quem é responsável pela vida alheia ou pelo bem comum.
2322 Desde a concepção, a criança tem o direito à
vida. O aborto direto, isto é, o que se quer como um fim ou como um meio, é uma
pratica infame[a95]"
, gravemente contrária à lei moral. A Igreja condena com pena canônica de
excomunhão este delito contra a vida humana.
2323 Visto que deve ser tratado como uma pessoa
desde a sua concepção, o embrião deve ser defendido em sua integridade, cuidado
e curado como qualquer outro ser humano.
2324 A eutanásia voluntária, sejam quais forem as
formas e os motivos, constitui um assassinato. E gravemente contrária à dignidade
da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo, seu Criador.
2325 O suicídio é gravemente contrario a Justiça,
à esperança e à caridade. É proibido pelo quinto mandamento.
2326 O escândalo constitui uma falta grave
quando, por ação ou por omissão, leva deliberadamente o outro a pecar
gravemente.
2327 Por causa dos males e injustiças que toda
guerra acarreta, devemos fazer tudo o que for razoavelmente possível para
evitá-la. A Igreja ora: "Da fome, da peste e da guerra livrai-nos, Senhor".
2328 A Igreja e a razão humana declaram a
validade permanente da lei moral durante os conflitos armados. As práticas
de1iberadamente contrárias ao direito dos povos e a seus princípios universais
constituem crimes.
2329 "A corrida armamentista é uma praga extremamente
grave da humanidade e lesa os pobres de maneira intolerável[a96].
2330 "Bem-aventurados os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus" (Mt 5,9).
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Rev.2 de dez/2003
[§1]356
[a2]Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução
Donum vitae, Introductio, 5: AAS 80 (1988) 76-77
[§3]401
[a4]Cf Gn 4,8-12
[a5]Cf Lv 17,14
[§6]1756,1956
[§7]2844
[a8]Cf Mt 5,22-26.38-39
[a9]Cf Mt 5,44
[a10]Cf Mt 26,52
[§11]1737
[a12]São Tomás de Aquino, Summa theologiae,
II-II, q. 64, a. 7, c: Ed. Leon. 9, 74
[a13]São Tomás de Aquino, Summa theologiae,
II-II, q. 64, a. 7, c: Ed. Leon. 9, 74
[§14]2196
[a15]São Tomás de Aquino, Summa theologiae,
II-II, q. 64, a. 7, c: Ed. Leon. 9, 74
[§16]2240,2308
[§17]1897-1899,1449
[§18] 2306
[a19] João Paulo II, Carta encíclica Evangelium
vitae, 56: AAS 87 (1995) 464.
[§20] 1867
[a21] Cf Gn 4, 10
[a22]Cf Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, 51,3: AAS 58 (1966) 1072
[§23] 2290
[a24]Cf Am 8,4-10
[§25] 1703,357
[a26]Cf Congregação pela Doutrina da Fé,
Instrução Donum vitae, 1, 1: AAS 80 (1988) 79
[a27]Cf Jó 10,8-12;Sm 22,10-11
[§28]1463
[a29]Didaché 2, 2: SC 248, 148 (Funk 1, 8); cf
Carta do Pseudo Barnabé 19, 5: SC 172, 202 (Funk 1, 90); Carta a Diogneto 5, 6:
SC 33, 62 (Funk 1, 398); Tertulliano, Apologeticum, 9, 8: CCL 1, 103 (PL 1,
371-372).
[a30]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral
Gaudium et spes, 51,3: AAS 58 (1966) 1072
[§31]1930
[a32]CIC cânone 1398. A expressão latina latae
sententiae dignifica “ de sentenças já pomulgada” e indica que transgressor
incorre na excomunhão sem que a autoridade competente precise pronunciar-se.
[a33]CIC cânone 1314
[a34] Cf CIC cânones 1323-1324
[a35]Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução
Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 98-99
[a36]Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução
Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 99
[a37]Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução
Donum vitae, 1, 2: AAS 80 (1988) 79-80.
[a38]Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução
Donum vitae, 1, 3: AAS 80 (1988) 80-81
[a39]Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução
Donum vitae, 1, 5: AAS 80 (1988) 83.
[§40]1503
[a41] Congregação pela Doutrina da Fé, Instrução
Donum vitae, 1, 6: AAS 80 (1988) 85.
[a42]
Cf Sagrada Congregação pela Doutrina da Fé, Declaração Iura et bona: AAS 72
(1980) 542-552.-
[§43]1007
[§44]2258
[§45]2212
[§46] 1735
[§47]1037
[§48] 2847
[§49] 1903
[a50]Cf 1 Cor 8,10-13
[a51]Cf Mt 7,15
[§52]1887,2498
[a53] cf Pio XII, Mensagem radiofônica
(1/6/1941): AAS 33 (1941) 197.
[a54]Cf Ef 6,4; Cl 3,21
[§55] 1503,1509
[§56]364,2113
[§57]1809
[§58] 159,1703
[§59]2375
[§60] 1753
[§61] 2301
[a62]Cf
Pio XI, Carta encíclica Casti connubii: DS 3722-3723.
[§63] 2267
[§64] 1525
[§65] 1681-1690
[a66]Cf Tb 1,16-18
[§67] 2296
[a68]Cf CIC cânone 1176, § 3
[§69] 1765
[a70]São Tomás de Aquino, Summa theologiae,
II-II, q. 158, a. 1, ad 3: Ed. Leon. 10, 273.
[§71] 2094,1933
[§72] 1909,1807
[a73]Santo Agostinho, De civitate Dei, 19, 13:
CSEL 402, 395 (PL 41, 640).
[a74]Cf Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, 78,1-2: AAS 58 (1966) 1101
[§75]1468
[a76]Cf Ef 2,16; Cl 1,20-22
[a77]Cf Concílio Vaticano II, Constituição
dogmática Lumen gentium, 1: AAS 57 (1965) 5.
[§78] 2267
[a79]Cf Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, 78,5: AAS 58 (1966) 1101-1102.
[a80] Cf Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, 81,4: AAS 58 (1966) 1105.
[§81] 2266
[a82]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral
Gaudium et spes, 79,4: AAS 58 (1966) 1103.
[§83] 2243,1897
[§84] 2239,1909
[a85]Cf Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, 79,5: AAS 58 (1966) 1103.
[§86]1732,1790
[a87]Cf Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, 79,3: AAS 58 (1966) 1103.
[a88]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral
Gaudium et spes, 79,4: AAS 58 (1966) 1103.
[§89] 2242
[a90]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral
Gaudium et spes, 80,4: AAS 58 (1966) 1104
[a91]Cf
Paulo VI, Carta encíclica Populorum progressio, 53: AAS 59 (1967) 283.
[§92] 1906
[§93] 1938,2538,1941
[a94]Concílio Vaticano II, Constituição pastoral
Gaudium et spes, 78,6: AAS 58 (1966) 1102.
[a95]Cf Concílio Vaticano II, Constituição pastoral
Gaudium et spes, 27,3: AAS 58 (1966) 1048.
[a96] Cf Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, 81,3: AAS 58 (1966) 1105.